domingo, 15 de maio de 2011

BENJAMIN PÉRET e o Estranho Amor



















ESCUTA

Se me abrigasses como um besouro num armário
eriçado de campainhas-brancas coloridas pelos teus olhos
de virgens transatlânticas
segunda terça etc. não seriam nada mais do que uma mosca
sobre uma praça orlada de palácios em ruínas
donde sairia uma imensa vegetação de coral
e de xales bordados
onde se vê
árvores obliquamente abatidas
que vão se confundir com os bancos das pracinhas
onde eu dormia aguardando que chegasses
como uma floresta aguarda a passagem de um cometa
para ver claro
entre suas matas fechadas que gemem como uma
chaminé
chamando a acha de lenha que ela deseja desde que
começou a bocejar
como uma pedreira abandonada
e treparíamos como uma escada numa torre
para nos ver desaparecer
ao longe
como uma mesa levada pela inundação


(Benjamin Péret, Amor Sublime - tradução de Sérgio Lima e Pierre Clemens)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sapatos pelos céus de Porto Alegre














PARÁBOLA

A imagem daqueles salgueiros nágua é mais nítida
e pura que os próprios salgueiros. E tem também uma
tristeza toda sua, uma tristeza que não está nos primitivos
salgueiros.


INFERNO

Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de
arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado,
entre um curioso povo de profetas e virgens, que formava alas
para me ver passar. Mas eu me debruçava inquieto a uma e outra
janela: faltava-me alguma coisa. Faltava ... Faltavam os meus desafetos.
Eu só queria ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me
vissem passar, tirado por anjos, num palanquim de ouro!


EPÍLOGO

Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora
está suspenso. Nada agüenta mais nada. E sabe Deus o que é que
desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas!
Não sabe ... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca ...
Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.


(Sapato Florido, Mário Quintana - 1948)

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