terça-feira, 13 de outubro de 2009
TRÊS ANGÚSTIAS (à Francesa)
ANGOISSE
Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pois o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade
De um coração que crime algum fere como presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
(Mallarmé, tradução de José Lino Grünewald)
L´ANGOISSE
Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tão rubro,
A solene dolência dos poentes, além.
Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio pelas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.
Não creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a quem chamam Amor.
Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.
(Verlaine, tradução de Fernando Pinto do Amaral)
ANGOISSE
Será possível que Ela me faça perdoar as ambições
continuamente esmagadas, - que um fim cômodo compense
as idades da indigência, - que um dia de êxito nos adormeça
sobre a vergonha de nossa fatal inabilidade.
(Ó palmas! diamante! – Amor! força! – mais alto que
todas as alegrias e glórias! – de qualquer modo, em toda parte,
- demônio, deus – Juventude desta criatura; eu!)
Que acidentes de magia científica e movimentos de
fraternidade social sejam prezados como restituição progressiva
da franqueza primeira? ...
Mas a Vampiro que nos torna gentis ordena que nos divirtamos
com o que ela nos deixa, ou que então sejamos mais esquisitos.
Rolar até as feridas, no ar fatigante e no mar; até os
suplícios, no silêncio das águas e do ar assassinos; até as torturas
que riem em seu silêncio atrozmente encapelado.
(Rimbaud, tradução de Ledo Ivo)
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