ANJO
(2ª. versão)
As esculturas perderam-se na
superfície da pele e das águas que não mergulharam com suas ágeis graças.
Revisitado de cinzas que o fogo nem ardeu, pois a ausência é a verdade daqueles
sinceros espíritos cinzelados de puro desejo.
No teatro daquelas tristezas e antigas
alegrias o vento foi o branco algodão das têmporas que avançavam exauridas, ou
a falta da cabeleira que o orgulho consumiu na juventude abrasadora.
Permaneço de pé, no abismo de meu
fundo negror, tal como um grande pássaro que ostenta asas soporíferas e uma
umidade de sangue na ponta dos lábios ou bico a estraçalhar a presa, a suposta
amada que languescente desaba do degrau de seu desprezo alaranjado.
Sem cor! Retrato da dor às minhas mãos
amaldiçoado, sem seu corpo ou maciez, sem nudez às escarpas lançado para morrer
sem flautas, sem música, no vermelho do choro e na mandíbula da incerteza. Foi
quando aturdido o atirador de facas me convidou para no circo rolar sobre as feridas, a passear no
luar das geladas angústias e do poema rasgado na véspera dos dissabores.
E eu não pus nenhuma máscara e eu ria
sobre meu próprio túmulo que apodrecia dentro de mim. E na hora que Satã soprou
seu vômito negro, eu estava de saída para encontrar Aurora e ela me puxou para
si, com uma ânsia aterradora, e me beijou as axilas e cheirou minha alma de
sete facas e eu vi-me ao longo do oceano, só, com um peixe cru recitando versos
de um Teatro Perdido, e ele me jogou uma rosa de espuma e um riso de sal; daí
já era tarde para encontrar Pandora e então mais uma vez eu morri. Raiado de
espinhos eu subi. Ao monte. E nunca
acordado despi lentamente a bainha de meu jorro. Foi quando pela lateral da
galeria meu olho ficou a ver navios por cima dos marinheiros. Parti no dia
seguinte e nunca mais a vi, eu ainda lembro da primeira vez que ela confiou na
minha força; mesmo forte é meu desespero e minha travessia que desarruma pelos
vastos campos o diário dos homens, dos bois e das aves amigas.
Em verdade, somos um Teatro que falta
zarpar junto com a fome dos tubarões e livres para o vôo dos albatrozes. Lá de cima eu fui. Lá embaixo no inferno que suporto. Lá discípulo de sempre. Anjo.
(Anderson
Dantas – prosa do livro inédito Cavalos do Inferno
Foto:
do filme La Fille Sur Le Pont, 1999)