quinta-feira, 15 de novembro de 2012

HISPANISMOS: Cesar Vallejo


























ESPERGÊNESE


Eu nasci um dia
em que Deus estava enfermo.

Todos sabem que vivo,
que sou mau: e não sabem
do dezembro desse janeiro.
Pois eu nasci um dia
em que Deus estava enfermo.

Existe um vazio
em meu ar metafísico
que ninguém pode tocar:
o claustro de um silêncio
que fala à flor de fogo.

Eu nasci um dia
em que Deus estava enfermo.

Irmão, escuta, escuta ...
Bem. E que eu não parta
sem levar dezembros,
sem deixar janeiros.
Pois eu nasci um dia
em que Deus estava enfermo.

Todos sabem que  vivo,
que mastigo ... E não sabem
porque em meu verso gritam,
escuro ranço de féretro,
ventos esfregados,
desenroscados da Esfinge
indagadora do Deserto.

Todos sabem ... e não sabem
que a Luz é tísica
e a Sombra obesa ...
E não sabem que o Mistério sintetiza ...
que ele é o corcunda
musical e triste que à distância denuncia
a passagem meridiana dos limites aos Limites.

Eu nasci num dia
em que Deus estava enfermo,
enfermo grave.


(Tradução e notas: Thiago de Mello, 1984
Espergênese: antigo termo legal que significa a aprovação de uma condenação)

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