Do espírito de gravidade
1.
Minha linguagem – é a linguagem do povo: de modo por demais grosseiro e sincero falo eu, para o gosto dos casquilhos. E mais estranha ainda soa minha palavra aos ouvidos de todos os plumitivos e escrevinhadores.
Minha mão – é a mão de um doido; ai de todos as mesas e paredes e onde mais haja lugar para desenhos de doido e gatafunhos de doido!
Meu pé – é um pé de cavalo; com ele pateio e galopo, desembestado, pelos campos em fora e dou a alma ao diabo no prazer da corrida desabalada.
Meu estômago – será um estômago de águia? Porque gosta, mais que tudo, de carne de cordeiro. Certamente, porém é um estômago de ave.
Parcamente alimentado e de coisas inocentes, pronto ao vôo e impaciente por voar, por voar longe – tal é o meu modo de ser; como não deveria haver nele algo do modo de ser das aves!
E, especialmente, que eu seja inimigo do espírito de gravidade é modo de ser de ave; e, na verdade, inimigo ferrenho, inimigo mortal, inimigo nato! Oh, para onde já não voou e, voando, desgarrou-se a minha inimizade?
Poderia, até, pôr isso em música e cantá-lo – e quero cantá-lo; se bem que me encontre sozinho na casa vazia e deva cantar para os meus próprios ouvidos.
Outros cantores há, sem dúvida, para os quais somente a casa cheia torna a garganta melíflua, a mão eloqüente, os olhos expressivos, o coração desperto; não me assemelho a eles.
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