quarta-feira, 5 de agosto de 2009

BORGES: Pampa e a Vida Inteira




AO HORIZONTE DE UM SUBÚRBIO
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Pampa:
Avisto tua amplidão que afunda os subúrbios,
estou me dessangrando em teus poentes.

Pampa:
Posso ouvir-te nas tenazes violas sentenciosas,
e nos altos bem-te-vis e no ruído cansado
dos carros de bois que vêm do verão.

Pampa:
O espaço de um pátio colorado me basta
para te sentir meu.

Pampa:
Eu sei que te cortam
trilha e atalhos e o vento que te muda.
Pampa sofrido e macho que estás nos céus,
não sei se és a morte. Sei que estás em meu peito.





MINHA VIDA INTEIRA
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Aqui outra vez, os lábios memoráveis, único e semelhante
a vós.
Persisti outra vez na aproximação da ventura e na intimidade
do sofrimento.
Cruzei o mar.
Conheci muitas terras; vi uma mulher e dois ou três homens.
Amei uma menina altiva e branca, de uma hispânica quietude.
Vi um arrabalde infinito onde se cumpre uma insaciada
imortalidade de poentes.
Saboreei numerosas palavras.
Acredito profundamente que isso é tudo e que não verei nem
farei coisas novas.
Acredito que minhas jornadas e minhas noites se igualam em
pobreza e riqueza aos de Deus e aos de todos os
homens.




(Jorge Luis Borges, Lua Defronte, 1925)

Um comentário:

Aldemar Norek disse...

É, Anderson.
Oportuno poema, como sempre ocorre ao Borges.

Sobre a questão do “vazio” de que falamos um pouco outro dia, via LinguaEpistolar, acho que este vazio é o do “sentido”, que foi suprimido sem que nada viesse ao primeiro plano, na ordem geral das coisas. O caminho humano hoje, talvez, tenha que passar por uma construção de sentido – só que isso tem que acontecer em tantos terrenos diferentes (existencial, amoroso, familiar, profissional, etc) que acaba virando uma coisa sobre-humana, uma tarefa de deuses ou semideuses, e estes parecem ter acabado antes de Homero. Somos pequenos e me lembro de muitas vezes esta ter sido a expressão de um sentimento seu, no blog, no Café do Cronópios, nos seus poemas.

Mas é surpreendente ler aqui neste jovem Borges a afirmação de uma recorrência, ou mais, de uma insistência (“Aqui outra vez....”), e repetidamente (“Persisti outra vez”.... “Insaciada/ imortalidade de poentes”) na ação (“cruzei o mar”/ “amei uma menina altiva e branca” / “saboreei muitas palavras”).

Acontece um passo que a gente não entende muito bem (“Acredito...que isso é tudo..e que não farei ou verei coisas novas”), uma aparente desistência ou voz negativa – mas pode ser também a consciência da grandiosidade do pequeno e do limite, que ele volta a afirmar perto de completar cinqüenta anos num outro poema incrível.

De certa forma isso já está contido aqui nesta última ‘estrofe’ (?) – “Acredito que minhas jornadas e minhas noites se igualam em/ pobreza e riqueza aos de Deus e aos de todos os/ homens” – onde a humanidade de Deus se confunde com uma certa divindade dos homens e onde ambos tem uma contraface, como o poeta.

Daí que não sei, sou meio crítico com relação a este vazio – ou então rebelde, porque insisto nos oásis que rolam no meio do deserto, como pra mim é o Língua Epistolar.

Super abraço do
aldemar

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