VII
TRECHOS DE MEU DIÁRIO
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Leio um delicioso panfleto, A alegria de morrer, que me dá o desejo de deixar este mundo. Para explorar a fronteira entre a vida e a morte, deito-me na cama, destapo o frasco de cianureto de potássio, que desprende seu odor mortal. Ei-lo que se aproxima de mim, o homem da foice: é delicado e tem ares voluptuosos; mas, no último instante, sempre chega alguém ou acontece alguma coisa de imprevisto: o garçom do hotel sob um pretexto qualquer, uma vespa que entra pela janela.
As potências recusam-me a única alegria, e submeto-me diante de sua vontade.
Nos começos de Julho, o hotel se esvazia com os estudantes que partem em férias.
Eis por que a chegada de um estrangeiro, no quarto vizinho, excita-me a curiosidade. O desconhecido não fala nunca; parece sempre ocupado em escrever, por trás da divisória que nos separa. Numa atitude estranha, recua todas as vezes que eu aproximo minha cadeira da parede; repete meus movimentos, como se quisesse me irritar com isso.
A coisa continua por três dias. Depois, percebo que, quando vou me deitar, alguém se deita no quarto que está do lado de minha mesa; mas, estando deitado, ouço-o levantar-se e ir para o outro quarto, ocupando o leito vizinho do meu. Escuto-o estendido paralelamente a mim: folheia um livro, depois apaga a lâmpada, respira, vira de lado e dorme.
Um silêncio absoluto reina no quarto do lado oposto. Logo, ele ocupa ambos os quartos. É desagradável ser assediado pelos dois lados.
Só, inteiramente só, janto com o prato trazido numa bandeja a meu quarto, e como tão pouco que o garçom se compadece de mim. Há uma semana que não ouço minha própria voz, e, por falta de exercício, o som começa a desaparecer. Estou inteiramente sem dinheiro: fazem-me falta os cigarros e os selos postais.
Agora, sentado na poltrona, abro a Bíblia e leio ao acaso: “Não refletem nem consideram, nem têm o bom senso de dizer: Eu queimei no fogo metade desta madeira, e cozi pães sobre as brasas; cozi carnes e comi-as, e então de seu resto hei de fazer um ídolo? Hei de prostrar-me diante de uma árvore? Uma parte deste pau está já feita em cinza; sem embargo disso, o seu coração insensato adorou a outra parte, e ele não salvará a sua alma, dizendo: É sem dúvida uma mentira o que está na minha mão.
... Eis que diz o Senhor, que te remiu e que te formou no ventre da tua mãe: Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas, que só por mim estendi os céus, e firmei a terra, sem que ninguém me ajudasse. Eu faço baldar os prognósticos dos adivinhos, e torno furiosos os agoureiros. Eu faço recuar os sábios, e converto sua ciência em loucura”.
TRECHOS DE MEU DIÁRIO
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Leio um delicioso panfleto, A alegria de morrer, que me dá o desejo de deixar este mundo. Para explorar a fronteira entre a vida e a morte, deito-me na cama, destapo o frasco de cianureto de potássio, que desprende seu odor mortal. Ei-lo que se aproxima de mim, o homem da foice: é delicado e tem ares voluptuosos; mas, no último instante, sempre chega alguém ou acontece alguma coisa de imprevisto: o garçom do hotel sob um pretexto qualquer, uma vespa que entra pela janela.
As potências recusam-me a única alegria, e submeto-me diante de sua vontade.
Nos começos de Julho, o hotel se esvazia com os estudantes que partem em férias.
Eis por que a chegada de um estrangeiro, no quarto vizinho, excita-me a curiosidade. O desconhecido não fala nunca; parece sempre ocupado em escrever, por trás da divisória que nos separa. Numa atitude estranha, recua todas as vezes que eu aproximo minha cadeira da parede; repete meus movimentos, como se quisesse me irritar com isso.
A coisa continua por três dias. Depois, percebo que, quando vou me deitar, alguém se deita no quarto que está do lado de minha mesa; mas, estando deitado, ouço-o levantar-se e ir para o outro quarto, ocupando o leito vizinho do meu. Escuto-o estendido paralelamente a mim: folheia um livro, depois apaga a lâmpada, respira, vira de lado e dorme.
Um silêncio absoluto reina no quarto do lado oposto. Logo, ele ocupa ambos os quartos. É desagradável ser assediado pelos dois lados.
Só, inteiramente só, janto com o prato trazido numa bandeja a meu quarto, e como tão pouco que o garçom se compadece de mim. Há uma semana que não ouço minha própria voz, e, por falta de exercício, o som começa a desaparecer. Estou inteiramente sem dinheiro: fazem-me falta os cigarros e os selos postais.
Agora, sentado na poltrona, abro a Bíblia e leio ao acaso: “Não refletem nem consideram, nem têm o bom senso de dizer: Eu queimei no fogo metade desta madeira, e cozi pães sobre as brasas; cozi carnes e comi-as, e então de seu resto hei de fazer um ídolo? Hei de prostrar-me diante de uma árvore? Uma parte deste pau está já feita em cinza; sem embargo disso, o seu coração insensato adorou a outra parte, e ele não salvará a sua alma, dizendo: É sem dúvida uma mentira o que está na minha mão.
... Eis que diz o Senhor, que te remiu e que te formou no ventre da tua mãe: Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas, que só por mim estendi os céus, e firmei a terra, sem que ninguém me ajudasse. Eu faço baldar os prognósticos dos adivinhos, e torno furiosos os agoureiros. Eu faço recuar os sábios, e converto sua ciência em loucura”.
(August Strindberg, Inferno)
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