I
Porque há desejo em mim tudo é cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
(Hilda Hilst, Do Desejo, 1992)
IX
Amor chagado, de púrpura, de desejo
Pontilhado. Volto à seiva de cordas
Da guitarra, e recheio de sons o teu jazigo.
Volto empoeirada de vestígios, arvoredo de ouro
Do que fomos, gotas de sal na planície do olvido
Para reacender a tua fome.
Amor de sombras de ocasos e de ovelhas.
Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos. Volto novíssima, incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome.
E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos.
(Hilda Hilst, Amavisse, 1989)
XXXV
Ah, se eu soubesse de nuvens
Como te sei no hoje, morte minha,
Diria que me perseguem
Para escurecer
Essas caras de neve.
Diria que se detêm
Sobre a minha casa
Para ensombrar a alma. A minha.
E espalhadas
Diria que se avizinha
O cerco. A paliçada.
Que estou muda no além
Num sofrido perfil.
Nítida. Sozinha.
Se eu soubesse de nuvens
Como te sei
Não diria o que disse
Nem faria o poema. Olhava apenas.
(Hilda Hilst, Da Morte, Odes mínimas, 1980)
2 comentários:
gostei do teu blog..
http://porissoteliguei.blogspot.com.br/
Seja bem vinda, volte sempre
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