sábado, 29 de julho de 2006

ALMA BEAT (onde tudo começou)




Ela adorava olhar as flores
cheirar as frutas
E as folhas lhe falavam de amor

Mas uns marujos já de porre
penetraram no sono dela
semeando sêmen
na paisagem virgem

Numa certa idade
seu coração pegou a olhar
as margens perdidas

E ouviu passarinhos verdes cantando
lá do outro lado do silêncio


Lawrence Ferlinghetti, in A Coney Island of the Mind.


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A catedral da desordem


A nossa batalha foi iniciada por Nero e se inspira nas palavras moribundas: “ Como são lindos os olhos deste idiota”. Só a desordem nos une. Ceticamente, Barbaramente, Sexualmente. A nossa Catedral está impregnada do grande espetáculo do Desastre. Nós nos manifestamos contra a aurora pelo crepúsculo, contra a lambreta pela motocicleta, contra o licor pela maconha, contra o tênis pelo box, contra a rádio-patrulha pela Dama das Camélias, contra Valéry por D. H. Lawrence, contra as cegonhas pelos gambás, contra o futuro pelo presente, contra o poço pela fossa, contra Eliot pelo Marquês de Sade, contra a bomba de gás dos funcionários públicos pelos chicletes dos eunucos e suas concubinas, contra Hegel por Antonin Artaud, contra o violão pela bateria, contra as responsabilidades pelas sensações, contra a trajetória nos negócios pelas faces pálidas e visões noturnas, contra Mondrian por Di Chirico, contra a mecânica pelo Sonho, contra as libélulas pelos caranguejos, contra os ovos cartesianos pelo óleo de Rícino, contra o filho natural pelo bastardo, contra o governo por uma convenção de cozinheiros, contra os arcanjos pelos querubins homossexuais, contra a invasão das borboletas pela invasão dos gafanhotos, contra a mente pelo corpo, contra o Jardim Europa pela Praça da República, contra o céu pela terra, contra Virgílio por Catulo, contra a lógica pela Magia, contra as magnólias pelos girassóis, contra o cordeiro pelo lobo, contra o regulamento pela Compulsão, contra os postes pelos luminosos, contra Cristo por Barrabás, contra os professores pelos pajés, contra o meio-dia pela meia-noite, contra a religião pelo sexo, contra Tchaikowsky por Carl Orff, contra tudo por Lautréamont.



Roberto Piva, em Os que viram a carcaça, Março de 1962, SP.


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Para alguns amigos


o som da esperteza
o som do céu e do mar.

o aperitivo de uma noite amarga.
amigos amargos que
discutem quem fará o elogio fúnebre,
semi-homens amargos tentando roubar suas mulheres,
semi-mulheres amargas se deixando roubar.

me levou 15 anos para humanizar a poesia
mas será preciso mais do que eu
para humanizar a humanidade.

as boas almas não irão fazê-lo
a anarquia não ira faze-lo
pretos
amarelos
índios
latinos
eles não irão fazê-lo.

acredito na força da mão sangrenta
acredito no gelo eterno
eu exijo que nós morramos
de lábios azuis e sorrindo contra a impossibilidade
de nós mesmos
esticados sobre nós mesmos.

nos encontramos, uma vez,
numa adega escura de Barcelona, mas então
nos separamos. Afinal
algumas pessoas foderão um poste de luz sob
o luar.

meu elogio? quem o lerá? ao menos terei uma
sepultura? quem ficará feliz no meu
enterro? mais um maldito gênio se
foi. idiotas adoram enterrar
deuses.

enquanto isso esperam que minha máquina de escrever falhe,
que meu amor diminua, que minha esperança diminua,
que minha dor aumente.
ah, meus amigos todos me desejam o
melhor das coisas.

idiotas discursantes raivosos de porta em porta
venham todos
para jogar seu veneno especial sobre mim e sobre
as pequenas coisas que são
minhas.

pequenas crianças-rato do universo
aproveitem o fato de que eu vos permiti insultar-me
aproveitem o fato de que eu abri a porta
aproveitem o fato de que eu ou envelheci
ou desapareci com o tempo.

ah, meus amigos
meus amigos
meus amigos.



Charles Bukowski, in Hymn from the Hurricane.


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O Crime


No animal ainda quente seu crime
Foi gracejo da secreta ação amarga humana
Suficiente para o riso da jovem
Com o sangue se esvaindo surdamente

Juntos comeram a rosa
E juntos enxugaram as línguas
Ante as brasas e os recortes de pele

Eles se amaram tanto
Até os olhos caírem por dentro
E as faces se despregarem



Gregory Corso, in Vestal Lady on Brattle


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Morte de todos os lados

“O Planeta está destruído”


Uma lua nova contempla nosso doce planeta doente
Orion já perseguiu a Ursa Imóvel por metade do céu
de inverno a inverno. Acordo, mais cedo na cama, cadáveres de
moscas
cobrem lençóis iluminados a gás, minha cabeça dói, têmpora
esquerda
fibra cerebral lateja pela Morte que Criei de todos os Lados.
Ratos envenenados no Galinheiro e mil piolhos
Mortos com spray de alvos arsênicos infiltrando-se no riacho,
Baratas urbanas
Pisoteadas em chãos de cozinhas Rurais. Nada de bebês pra mim,
Reduzir à metade hordas de meninos & meninas da Terra &
respirar livres
dizem Revolucionários peritos Computadores:
Metade da população de germes desse globo azul é mais do que
bastante
proteger pulmão nublado do fedor da pneumonia.
Chamei Exterminador o Qual ensopou Parede Chão com
óleo letal pra percevejos. Quem lá de me ensopar o cérebro de óleo
letal?
Acordo antes do amanhecer, temendo meus pertences de madeira,
meus livros gnósticos, minha boca altissonante, velhos amores
silenciosos, encantos
transformados em dinheiro-imagem, meu corpo gordo assexuado,
Pai morrendo,
Cidades da Terra envenenadas em guerra, minha arte sem
esperanças –
Mente fragmentada – e ainda abstrata – Dor na
têmpora esquerda vida em morte –


Allen Ginsberg, in The Fall of América – Poems of These States,
September, 26, 1969

domingo, 16 de julho de 2006

MAIAKÓVSKI: Tovarish Temerário
























A FLAUTA-VÉRTEBRA

Prólogo

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo o caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
Esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
Na flauta de minhas próprias vértebras.

NOSSA MARCHA



Troa na praça o tumulto!
Altivos píncaros – testas!
Águas de um povo dilúvio
lavando os confins da terra.

Touro mouro dos meus dias.
Lenta carreta dos anos.
Deus? Adeus. Uma corrida.
Coração? Tambor rufando.

Que metal será mais santo?
Balas-vespas nos atingem?
Nosso arsenal é o canto.
Metal? São timbres que tinem.

Desdobra o lençol dos dias
cama verde, campo escampo.
Arco-íris arcoirisa
o corcel veloz do tempo.

O céu tem tédio de estrelas!
Sem ele, tecemos hinos.
Ursa-Maior, anda, ordena
para nós um céu de vivos.

Bebe e celebra! Desata
nas veias a primavera!
Coração, bate a combate!
O peito – bronze de guerra.



(Traduções de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Satolep: A Armada Poética de Vitor














Vitor Ramil. Irmão de Kleyton e Kledir. Talvez a dupla as pessoas tenham ouvido falar, mas de Vitor, um pouco mais raro. A não ser na capital gaúcha Porto Alegre e nas sombras tristes (figuras) de Satolep. Vá lá, nos pampas. Uruguay. Até mesmo em Genebra. Vitor não é conhecido e reconhecido no Brasil. Porque suas composições são poemas, poemas musicados. Ora, e quem quer poesia na Música? Quem quer música na Poesia? Rimbaud, Maiakóvski, Augusto de Campos, Borges, e tantos outros. Os amigos invisíveis mas verdadeiros, são a argila criadora do demiurgo. Ele avança junto com os peixes e os arpejos no frio da campanha. Vitor pertence a esta terra, repleta de seus frios. Notório buscador de ritmos e sonoridades raras, parceiro de músicos que não se vendem por milhões de cópias. Não há rima fácil, refrão medíocre e letras descartáveis no “Corcunda de Satolep”. Tudo parece doído, reerguido, remontado, destruído e renovado. Tudo parece uma longa e lamentosa milonga.
“Americana Pátria, morena / Quiero Tener / Guitarra y canto libre / En tu amanecer / No pampa meu pala a voar / Esteira de vento e luar / Vento e luar ...
Vitor é para poucos. ainda bem.



(Ibicuí da Armada)



Entre o meu e o teu ser
Tudo é permitido
Lambaris de cristal
E um bugio largado e rouco
De uma cordeona fantasma
Teu eco me responde
No timbre dos caudilhos!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito

Um silêncio muito antigo
Cai sobre os insetos
Chegam homens maragatos
Num pequeno bote
Que encosta sem pressa
Na outra margem
O ronco de queda d´água
Me chama de louco!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito

São três homens
Três facões
Com três lenços rubros
São três sombras
Três chapéus
Que entram pela mata
Três luas brilhando no aço
São três degoladores
Por sorte não me viram!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito

As cigarras recomeçam
Com seu canto triste
Eu mergulho como um bicho
E nadando em águas profundas
Revelo poemas aos peixes
São versos do soldado
Do poeta russo!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito

Limo e verbo
Lodo e rima
Louca a bala
Laica
Correnteza
Movimentos
Lanço a poesia molhada
Ao toque dos seres gelados
E quando volto à tona
Os homens me descobrem!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito

São três palas
Três anéis
Com três vozes duras
São três golpes
Três metais
E as três luas me partem ao meio
Brilhando no espelho
Das lâminas
Meu corpo vai-se embora
Na trilha das traíras
E minha cabeça livre
No gelo dos cometas!
Ibicuí da Armada
A mulher cavalga sobre teu leito!

quinta-feira, 13 de julho de 2006

E Assim Falou ... NIETZSCHE



Do espírito de gravidade


1.


Minha linguagem – é a linguagem do povo: de modo por demais grosseiro e sincero falo eu, para o gosto dos casquilhos. E mais estranha ainda soa minha palavra aos ouvidos de todos os plumitivos e escrevinhadores.
Minha mão – é a mão de um doido; ai de todos as mesas e paredes e onde mais haja lugar para desenhos de doido e gatafunhos de doido!
Meu pé – é um pé de cavalo; com ele pateio e galopo, desembestado, pelos campos em fora e dou a alma ao diabo no prazer da corrida desabalada.
Meu estômago – será um estômago de águia? Porque gosta, mais que tudo, de carne de cordeiro. Certamente, porém é um estômago de ave.
Parcamente alimentado e de coisas inocentes, pronto ao vôo e impaciente por voar, por voar longe – tal é o meu modo de ser; como não deveria haver nele algo do modo de ser das aves!
E, especialmente, que eu seja inimigo do espírito de gravidade é modo de ser de ave; e, na verdade, inimigo ferrenho, inimigo mortal, inimigo nato! Oh, para onde já não voou e, voando, desgarrou-se a minha inimizade?
Poderia, até, pôr isso em música e cantá-lo – e quero cantá-lo; se bem que me encontre sozinho na casa vazia e deva cantar para os meus próprios ouvidos.
Outros cantores há, sem dúvida, para os quais somente a casa cheia torna a garganta melíflua, a mão eloqüente, os olhos expressivos, o coração desperto; não me assemelho a eles.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Ana Cristina Cesar (poema-retalho, fragmentos, tipo ... que tipo?!)








Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d´água
a espera do café

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