terça-feira, 30 de dezembro de 2014

ULLA HAHN e a SEDE ENTRE OS LIMITES





















Este Verão




Este Verão ensina-me
a amar as minhas cicatrizes
a enfeitar-me com marcas de estrangulamento no pescoço

Este Verão ensina-me
a fechar à chave a amargura e fico
bem roliça e anafada pareço bem tratada

Este Verão ensina-me
a gritar o bel canto

Este Verão ensina-me
que a solidão descansa
e cresce numa mão

Este verão ensina-me
a não confundir um corpo disponível
com o desejo de felicidade

Este verão ensina-me
a ser para cada pedra um espelho de água

Este Verão ensina-me
a amar grandes bolas de sabão e pequenas
antes de rebentarem

Este Verão ensina-me
que tudo sem nós
por si continua

Este Verão ensina-me
um rosto gelado feliz

Este Verão ensina-me
tenho que ser eu a bater no tambor
quando quiser dançar

Este Verão ensina-me
a ser sem felicidade sem tristeza por uns
segundos aliada de Deus

Este Verão ensina-me
a acordar de manhã. Grata. Sozinha.

Este Verão ensina-me
que a folha do limoeiro só deita cheiro
quando a desfazemos entre os dedos.



(Ulla Hahn, Tradução de João Barrento, Freudenfeuer)

domingo, 16 de novembro de 2014

NOITE com LEONOR SCLIAR-CABRAL
















NOITE


Plena de enigmas, noite de presságios.
Insone abri a porta do jardim:
nas moitas os duendes que se amavam
emudeceram.

Um aroma de pólen, cio e néctar
impregna a mucilagem sob a grama
que as mãos vazias, ávidas maceram
até o cansaço.

Estremece ao luar a goiabeira
 os frutos caem podres pelo chão,
mole-molência rubra sob os pés
a esmagá-los.

E o corpo rola exangue pela grama
no declive de pedras e de folhas,
mistura de húmus orvalhado e sangue,
só de prazer.


(Leonor Scliar-Cabral, in De Senectute EROTICA
Imagem: foto de Anderson com Leonor, na noite de lançamento do Suplemento Especial de Poesia Ô Catarina em 14 Novembro 2014)


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

LANÇAMENTO ESPECIAL de POESIA SUPLEMENTO CULTURAL Ô CATARINA!






































Convido a todos para o Lançamento Especial de Poesia do Suplemento Cultural Ô
Catarina! 

Os melhores poetas de Santa Catarina estarão presentes!!

Abraços!!


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A SOMBRA do LEOPARDO


























grécia


UM JOGO de centauros.
Inflama
o trigo da pele;
grita teu olho,
dos pés à cabeça;
teu olho é pele,
teu olho é sol
de sêmen, desfaz
o rosto na água,
acasala tuas éguas.
Depois, lacera-te,
lapida tua boca,
bebe tua urina.
Arde a terra,
arde a carne.
Então, cada bílis
e fleuma; despido
como um deus,
abraça a deusa
do silente mistério.



Cláudio Daniel in A Sombra do Leopardo

quinta-feira, 24 de julho de 2014

DAS MULHERES














                    noiva




despida inteira

em luto e gozo
de espadas

que se entrecruzam.

tardias
são as tardes

metades -
laranjas

numa cor de lamentos.

Não soubemos

em quais águas
revoltosas

foram-se

para as agonias
dos outonos.

Fingimos

que descem
essas escadarias

vestindo o branco
dos lírios

pássaros mortos

em dentes de abandono.







mãe




geme baixo
em sua

Torre de sombras

geme alto
em seu

Carrossel de ossos

carne
de sua carne

nutre
com leite & sangue

esta fome
com face
de espanto

esgar de chumbo
e silêncio.

ganindo

despedaçada de abismos
em seus espelhos

dulçorosos.
  






E, por fim




E,
por fim

já tão tarde

e escuro

já-sem-nome

ruge e chora

onde não há
mais
espaço

nem Tempo.

Juraram
os animais

encurralados

que foram
suaves

as mãos
na lisura

de uns céus

marchetados
pela glória
de um deus-louco.

Nada, diziam.

- Mais nada!

E, por fim

um outro cais esquecido.


(Anderson Dantas, Ilha, 16/05/2014
Foto: auto-retrato)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

DYLAN THOMAS E TUDO E TODOS




















TODOS TODOS E TODOS

I


Todos todos e todos os mundos áridos de levantam,
A idade do gelo, o oceano sólido,
Todos surgem do óleo e das crostas da lava.
O burgo da primavera, essa flor sob domínio,
Gira na Terra que faz girar as cidades de cinza
Em torno de uma roda de fogo.

E agora minha carne, minha companheira nua,
Teta do mar, o amanhã cheio de glândulas,
Verme no escalpo, cercado e sem cultivo,
Todos todos e todos, o amante do defunto,
Macilento como o pecado, a medula espumante.
Todos vindos da carne, os mundos áridos se levantam.


II


Não temas o mundo em movimento, ó mortal,
Não temas o sangue insípido e sintético,
Nem o coração no metal crivado de nervuras.
Não temas as pegadas, a moagem das sementes,
O gatilho e a foice, a lâmina nupcial,
Nem o sílex na martelada dos amantes.

Homem da minha carne, a mandíbula fendida,
Conhece agora os grilhões e o vício da carne,
E a gaiola do corvo de olhos falciformes.
Conhece, ó meu osso, a nodosa ascensão,
Não temas as hélices que fazem circular a voz
E a face para o amante rejeitado.


III


Todos todos e todos os mundos áridos se acasalam,
Cada espectro com seu espectro, o homem se contagia
Em contato com o ventre do seu povo amorfo.
Todas essas formas de placenta e do aleitamento,
Que são golpes da carne mecânica contra a minha,
Tornam quadrado nesses mundos o círculo mortal.

Faz florir, faz florir a fusão das pessoas,
Ó luz do zênite, o botão geminado,
E a flama na visão da carne.
Além do mar, o ímpeto do óleo,
A órbita e a tumba, o sangue de bronze,
Faz florir, faz florir tudo tudo e tudo.



(Dylan Thomas, Dezoito Poemas, tradução de Ivan Junqueira)




quinta-feira, 22 de maio de 2014















"Um homem que se respeite não tem pátria. Uma pátria é um visco." (E.M.Cioran)

Foto: Eu, envolto em imagens e pensamentos no Morro das Pedras, Ilha de SC

domingo, 16 de fevereiro de 2014

SEGUNDO DELIRIUM TREMENS


























SEGUNDO DELIRIUM TREMENS


Fui espadachim, algo de podre e belo,
porque rompi-lhe o ovário com cutelo,

rompendo-me a mim com mãos claudicantes.
Fui espadachim de andaimes verdejantes,

cortando o feto de rainhas virgens,
de putas nobres e bufas vertigens.

Meu pai sagrou-me, minha mãe pariu-me:
quem me teve não mais me vê: viu-me

o dia da noite, o estrondo do raio,
onde soluço e em cântaros desmaio.

Consinto em ser o império da amargura,
a lepra santa de igual criatura

postada sobre mim, no meu assédio.
Sou eu mesmo o estrume canto, o meu remédio.

Mate-me logo, o delirium tremens
de todo álcool, de todos os sêmens.



(Nauro Machado, Os Órgãos Apocalípticos, 1976)

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