sábado, 5 de novembro de 2011

Renata Pallottini e o Cantar do Povo





















ESSE TRABALHO LIMPO

Esse trabalho limpo de aprontar
as verduras e os caldos
                                    e as carnes nos pratos
esse trabalho limpo de afastar
o capim do pé das árvores

esse esforço contínuo de tratar
as feridas das aves
e de juntar os ovos e contá-los
e de se preocupar porque não chove

isso arreda as loucuras aninhadas
na raiz dos cabelos e na nuca
e desfaz as canseiras do fundo dos olhos
e a dor tortuosa que há nas rugas
isso faz com que a gente não urine cianeto
e não cuspa mercúrio e não chore bromato
mas sim que tenha fome. Suspire, e tenha fome
e um macio cansaço na polpa do braço.

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NÃO É VERDADE

Não é verdade
não se pode ser que o Bem e o Mal
se equivalham.

Esta vontade áspera
de entender o passado
deve ter qualquer forma
qualquer significado.

Não gosto de sofrer
prefiro as festas.
Mas a vida é também o sangue
e a merda.
Não gosto de ver morrer
os agonizantes
mas a verdade é que eles só morreram
antes.

Não pode ser que tudo seja igual
que tanto faça.
Também eu gostaria de andar sobre as plumas,
mas este chão me queima as patas.


(Renata Pallottini - Reflexões sobre a Arte - livro Cantar Meu Povo, Massao Ohno, 1980)

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