sexta-feira, 18 de setembro de 2009

aqueles dias















aqueles dias



Ao irmão.

aqueles dias
          de luta
                   de luto
                             (de vinho e chá escuro)


eu poderia te dizer um único verso:

fumo de tabaco rói o ar.

antes eu,
          e dentro batia
                  no peito a rugir; filhote
                                               de leão manso

dizem a cabeça pende
          e hoje, irmão,
                   na caçada leão de juba
                                       (juba grisalha e rala)

um poema, uma navalha
          em lugar de uma carta
                  um sonho mesmo às escuras
                                     e o som das metralhas

onde somente a rugir
          ventania sul implacável
                  intermináveis chuvas a molhar os caminhos
                                             tigre cerúleo

e quando a me lembrar
          de ti, irmão, vinha-me
                  ira, Rússia, camponeses, vermelho.

meu irmão,
          nossos irmãos, irmão de sangue
                  irmãos russos se esvaindo
                                       como sementes leves

Maiakóvski, Marina, Iessiênin
          suicidados poetas na margem dos melífluos enxurros
                  tu me dissestes: - esta noite eu corri
                                       com os animais pela madrugada

me salvastes a vida, irmão.

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aqueles dias de luta
          de luto
               de pó e sangue escuro


diziam leão e tigre

rugidos esquecidos, extintos.

Anos
         de servidão e de miséria
comandavam
              nossa bandeira vermelha.


aqueles dias, irmão

Neve dos tempos.



(Ilha, 18/09/09, 14h10 e chove muito)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Cena 11 - SKINNERBOX





imagem.              sucessões de corpos caindo              soturnez.
queda                               violência                           espanto.

Aleksiéi Krutchônikh (caderno russo IV)

















FOME


Lavouras trigosas viraram lenda antiga ...
Tulhas de cereal estalam ressecadas
Campoentos madeireses transformados em tílias
Em lascas as maçãs das faces – magras ...

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Na isbá, teto de furos e fumaça,
Cinco filhotes louro-palha
Esgazeiam olhos de pássaro,
Hoje sobre a mesa fumegam tigelas fartas! ...

- Comam deste guisado macio,
Mas comam tudo, sem deixar vestígio,
Senão aquele Silvano ruivo
(Cochila como um carneiro junto à porta do vizinho)
Vai carregar mamãe de mansinho ...

A mãe falou e saiu pé ante pé ...
As crianças rilhavam famintas.
De repente no caldeirão de viés
Viram braços boiando com tripas.

- Uh! Oh! – berram todas para a porta,
E agora em coro fazem: Ah!
A mãe lá estava – morta,
Pescoço azul enroscado em estopa!...

As crianças correram até a escarpa
- Carcaça semi-rota atrás chuchava sopa –
Sinal-da-cruz, e como lebres na água
Se atiram para braços que abraçam ...

O fato se passou perto da Páscoa ...
O sangue do assassinado voltado para cima
Pedia aos homens penitência e prece.
Junto ao muro do reino celeste
A alma da enforcada se reclina ...



(Aleksiéi Krutchônikh, 1920 – tradução de Haroldo de Campos e
Boris Schnaiderman)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Abbey Lincoln, A Grande Diva do Jazz

PERSE e a Parede




















A PAREDE


        O laço da parede está em frente, para conjurar o círculo de
teu sonho.
        Mas a imagem solta um grito.
        A cabeça contra o descanso da poltrona gorda, examinas os
dentes com a língua: o gosto de gorduras e molhos infecciona-te as
gengivas.
        E sonhas com as nuvens puras sobre tua ilha, quando a
aurora verde se elucida no seio das águas misteriosas.
        ... É o suor das seivas em exílio, o unto amargo das plantas
de síliquas, a acre insinuação das mangueiras carnudas e o ácido
deleite de certa substância negra nas vagens.
        É o mel silvestre das formigas nas galerias da árvore morta.
        É um sabor de fruto verde, que acidula a aurora que bebes; o
ar leitoso enriquecido com o sal dos alísios ...
        Alegria! ó alegria desatada nas alturas do céu! Os panos
puros resplandecem, os adros invisíveis estão semeados de ervas e
as verdes delícias da terra penteiam-se ao século de um longo dia.


(Saint-John Perse, Imagens a Crusoé)

domingo, 13 de setembro de 2009

sábado, 5 de setembro de 2009

Shadow on the sun - Audioslave



SHADOW ON THE SUN

Uma vez eu pensei em descarregar o teu peso
E te deixar naquele lugar.
Você acreditava que eu era capaz
Você já viu acontecer antes.

Eu poderia ler os teus pensamentos
E dizer o que você via
E nunca dizer uma só palavra.
Agora tudo isso está "morto e enterrado"
Para nunca mais voltar...

Eu posso te dizer porquê as pessoas morrem sozinhas
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol

Olhando para a perda,
Procurando as causas
Mas nunca tem a certeza.
Não há nada além de um buraco
Para se viver sem alma
E não há nada para aprender...

Eu posso te dizer porquê as pessoas enlouquecem,
Eu posso te mostrar como você também pode enlouquecer,
Eu posso te dizer porquê o fim nunca chegará,
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol.

Vultos de todos os tamanhos se movem pelos meus olhos
As portas em minha cabeça estão trancadas por dentro
Cada faísca acende uma vela
Em memória daquele que vive sob a minha pele

Eu posso te dizer porquê as pessoas enlouquecem,
Eu posso te mostrar como você também pode enlouquecer,
Eu posso te dizer porquê o fim nunca chegará,
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol.

O FALCÃO, por HOPKINS



THE WINDHOVER


Eis que avistei esta manhã o amado da manhã, delfim do
            reino
        da luz-do-dia , Falcão arrebatado pela aurora
           mosqueada, em seu cavalgar
No ar encapelado que, sob ele, firme se alisa, e ao galgar
Tanta altura, como se eleva espirilando, preso às rédeas de
           uma asa ondulante,
Em seu êxtase! E então lá vai, lá vai balouçante
Qual pé de patim macio desliza em arco retesado; o
           arremesso, o planar
Afrontam a ventania. Meu coração escondido, em sigilo,
Batia pelo pássaro – o alcance, a mestria daquilo!

Beleza bruta, bravura, ação, oh! altanaria, plumas,
            amplidão –
Aqui concentrai-vos! E a fagulha que então de ti irromper,
            um bilhão
De vezes mais amorável, mais temível, Ó meu paladino!

Nem surpreende: ao arar paciente, o arado lá sob o sulco
            contínuo
Faísca; e o borralho azul-pálido, ah! meu tesouro,
Ao tombar atrita-se, e abre-se em talhos vermelho-e-ouro.


(Gerard Manley Hopkins, 1844-1889)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

anfiteatro




















(ao pai.
e tu, sendo pai
é o pai de todas as coisas)



EU SONHEI
em ti,
meu pai.

na penumbra
senti o hálito
espirilado
do fumo

não colhi a lenha
para acender
o fogo
de nosso gelo hirto

e para a casa velha
não apanhei
nenhum junco
carcomido por ratos

não catei
nenhum fruto
não icei balde
para o poço
e água morta

EU ME PERDI
meu pai
em cega furna
e expiação.


(Ilha de SC, 11h30)

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