terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Nova Lei dos Dias
















pisado e remontado

de pedra
uma após outra
e outra

comer o barro
das horas
a cimentura dos dias

É tudo.


(Anderson Dantas, 27/12/2011)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

vida















UMA

          folha seca

                           que cai

          e flana

                           perdida


expletiva.

 
 
(Anderson Dantas, Ilha 22 Dezembro)

sábado, 5 de novembro de 2011

Renata Pallottini e o Cantar do Povo





















ESSE TRABALHO LIMPO

Esse trabalho limpo de aprontar
as verduras e os caldos
                                    e as carnes nos pratos
esse trabalho limpo de afastar
o capim do pé das árvores

esse esforço contínuo de tratar
as feridas das aves
e de juntar os ovos e contá-los
e de se preocupar porque não chove

isso arreda as loucuras aninhadas
na raiz dos cabelos e na nuca
e desfaz as canseiras do fundo dos olhos
e a dor tortuosa que há nas rugas
isso faz com que a gente não urine cianeto
e não cuspa mercúrio e não chore bromato
mas sim que tenha fome. Suspire, e tenha fome
e um macio cansaço na polpa do braço.

___________________________________________

NÃO É VERDADE

Não é verdade
não se pode ser que o Bem e o Mal
se equivalham.

Esta vontade áspera
de entender o passado
deve ter qualquer forma
qualquer significado.

Não gosto de sofrer
prefiro as festas.
Mas a vida é também o sangue
e a merda.
Não gosto de ver morrer
os agonizantes
mas a verdade é que eles só morreram
antes.

Não pode ser que tudo seja igual
que tanto faça.
Também eu gostaria de andar sobre as plumas,
mas este chão me queima as patas.


(Renata Pallottini - Reflexões sobre a Arte - livro Cantar Meu Povo, Massao Ohno, 1980)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Aos escritores de blogs, por C. Ronald









Pra mim, o virtual é o esgoto onde ratos intelectuais trafegam. Portanto, o que escrevem (e como escrevem) é um sintoma grave de fim da humanidade doente, pois não entenderam o passado e querem abortar um presente que não chegará ao futuro. O mundo continuará. O humano sobrevivente será transformado em SER que será a salvação pra tudo que produzimos de verdadeiro. Na virtualidade, qualquer imbecil (e como existem e resistem) poderá dizer que o queijo foi feito de pneu estourado, mas nunca falará do chiclete que sairá da sua boca para grudar em nosso sentido humano.


(C. Ronald, em Agulhadas - livro Bichos Procuram buracos em paredes brancas, 2011)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Carlos Nejar e a Árvore do Mundo

















Mudei de não mudar
(fragmento III)

Se perguntas onde fui,
devo dizer: o mar.
Estive sempre ali,
mesmo estando a mudar.

Foi ali que escrevi
tua pele, teu suor.
Ao tempo, seus faróis.
Não mudei de mudar.

2
O que mudou em mim
senão andar mudando
sem nunca mais mudar?
Quem mudará em mim,
se não sei mudar?

3
Ou me mudei. Sou outro.
Outra ventura, outra
virtude, cadência,
remota criatura.
Então que se apresente.
Seja tenaz, plausível
esse rosto invisível e áspero

Mudei. Soprava o mar.
Mudei de não mudar.


(Carlos Nejar, Breve História do Mundo)

(minha definição de poesia)





















a pedrapoesia
é matéria
não apreendida
de imediato

é o escuro mosto
d´oiro do vento
no rangido estriado

carne do sol
em pampa verde
e espírito luzido
          nunca caçada à noite

é a ave muda
esbatendo no símbolo
jóia viva
enterrada em dia claro.

pelo fogo.     pelo tempo.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

visão sete





















visão sete


disse: dado acaso
um passo
a outro
caminhando sobre
um jardim de espinhos

eterno retorno
a uma chaga antiga
sinal perdido
entre pétalas sonhadas

disse: ressonância & dor
agonia consumada


domingo, 4 de setembro de 2011

Boris Pasternak (caderno russo V)























DEFINIÇÃO de POESIA


Um risco maduro de assobio.
O trincar do gelo comprimido.
A noite, a folha sob o granizo.
Rouxinóis num dueto-desafio.

Um doce ervilhal abandonado.
A dor do universo numa fava.
Fígaro: das estantes e flautas -
Geada no canteiro, tombado.

Tudo o que para a noite releva
Nas funduras da casa de banho,
Trazer para o jardim uma estrela
Nas palmas úmidas, tiritando.

Mormaço: como pranchas na água,
Mais raso. Céu de bétulas, turvo.
Se dirá que as estrelas gargalham,
E no entanto o universo está surdo.


(Boris Pasternak - 1917 - tradução de Haroldo de Campos)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Poética de Fernando Mendes Vianna















NOTURNO

Depois que os rádios param
e a boca dos homens se cala,
a noite canta, marulho de mar,
a escura música.

Dobrados os braços podres,
os brutos de aço dormem,
monstros amorfos da urbe.

O tempo se liberta
                         do relógio
e inunda o mundo.

Um denso vinho de silêncio
se espraia, fundo, pelas praias
da noite
          sem margens.


(Fernando Mendes Vianna, Proclamação do Barro, 1957 - 1964)

visão seis














visão seis

TUDO é lixo
revirado pela mão
de um Deus cansado

que o Demônio
carrega para si
como num dia de indulto

caçamos nossas fomes
feitos abutres
e o NOJO
foi arremessado na véspera.

domingo, 28 de agosto de 2011

Tristan Corbière (Le Crapaud Mélancolique)


















PAISAGEM MÁ



Praias de velhos ossos – a onda
Dobra: som a som ela estertora ...
- Paul pálido, onde a lua ronda
Buscando vermes, noite afora

- Calma de peste, onde a febre,
Como um duende danado, arde ...
- Erva fétida, onde a lebre
Foge, feito um bruxo covarde ...

- A Lavadeira branca lida
Na roupa dos mortos encardida,
Ao sol dos lobos ... – E singelo,

O sapo, cantor melancólico,
Envenena com sua cólica,
A própria casa, o cogumelo.



(Tristan Corbière, Amores amarelos, tradução de Marcos Antônio Siscar)



sábado, 27 de agosto de 2011

algumas mínimas















O desencantado, em um momento de contentamento o sente de forma muito mais potente do que o otimista, que vive abestalhado.


__________________________


Eu leio como quem respira afogado.

__________________________


Quando estiver embriagado (de vinho, de poesia, de virtude) a seu gosto, estende este estado ao máximo, forma suportável e momentânea do devir, não menos lamentável.

__________________________


O fogo, última arte da ilusão.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Barthes e os Fragmentos do Amor














A


(angústia)

     2. O psicótico vive no temor do colapso (contra o qual suas diversas psicoses não passariam de defesas). Mas no “temor clínico do colapso esconde-se o temor de um colapso que já foi experimentado (primitive agony) [ ... ] e há momentos em que um paciente necessita que lhe digam que o colapso que o atemoriza, minando assim sua vida, já aconteceu”. O mesmo vale, parece, para a angústia de amor: ela é o temor de um luto que já aconteceu, na origem mesma do amor, no momento mesmo em que fui seduzido. Seria preciso que alguém pudesse me dizer: “Não fique mais angustiado, você já o/a perdeu.”


M

(mutismo)

     2. Esta escuta fugidia, que só posso capturar com atraso, leva-me a um pensamento sórdido: profundamente empenhado em seduzir, em distrair, eu acreditava expor, ao falar, tesouros de engenhosidade, mas tais tesouros são apreciados com indiferença; dispendo minhas “qualidades” à toa: toda uma excitação de afetos, de doutrinas, de saberes, de delicadeza, todo o brilho do meu eu vem esmaecer-se, amortecer-se num espaço inerte, como se – pensamento culpável – minha qualidade excedesse a do objeto amado, como se eu estivesse à sua frente. Ora, a relação afetiva é uma máquina exata, a consciência, a precisão, no sentido musical, são-lhe fundamentais; o descompassado logo se mostra demais: minha palavra não é propriamente um dejeto, é mais precisamente algo que não se vendeu: aquilo que não se consome na hora (no movimento) e é destruído.


O

(obsceno)

     7. A obscenidade amorosa é extrema: nada pode acolhê-la, dar-lhe o valor forte de uma transgressão; a solidão do sujeito é tímida, privada de qualquer cenário: nenhum Bataille daria uma escrita a tal obsceno.
O texto amoroso (que mal chega a ser um texto) é feito de pequenos narcisismos, de mesquinharias psicológicas, não possui grandeza: ou sua grandeza (mas quem, socialmente, se apresenta para reconhecê-la?) é de não poder alcançar nenhuma grandeza do “reles materialismo”. É pois o momento impossível em que o obsceno pode realmente coincidir com a afirmação, o amém o limite da língua (todo o obsceno dizível como tal já não pode ser o último grau do obsceno: eu mesmo, ao dizê-lo, seja apenas através do cintilar de uma figura, estou recuperado).


R

(repercussão)


     1. O que repercute em mim é o que aprendo com meu corpo: algo de tênue e agudo desperta bruscamente este corpo que, nesse entretempo, dormitava no conhecimento racional de uma situação geral: a palavra, a imagem, o pensamento agem como uma chicotada. Meu corpo interior se põe a vibrar, como que sacudido por trombetas que respondem umas às outras e que se harmonizam: a incitação deixa rastros, os rastros se ampliam e tudo é (mais ou menos rapidamente) devastado. No imaginário amoroso, nada distingue a provocação mais fútil de um fato realmente conseqüente; o tempo é abalado para a frente (sobem-me à cabeça previsões catastróficas) e para trás (lembro-me com terror dos “precedentes”): a partir de um nada, todo um discurso da lembrança e da morte se erige e me domina: é o reino da memória, arma da repercussão – do “ressentimento”.



(Fragmentos de um discurso amoroso, Roland Barthes, tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar)

sobre a simultaneidade























sobre a simultaneidade

____________________________


    Ontem (inadvertidamente), recebi uma ligação de um senhor com um sotaque carregado. Por certo, não era brasileiro.
    Ele começou a falar e a falar, dizendo que soubera que eu pintava e ele era um artista plástico bastante prestigiado, havia nascido entre a Itália e a Ioguslávia. Tinha 88 anos, e fora um dos pioneiros a ensinar e a expor artes plásticas no Brasil, se estabelecendo em São Paulo, mas depois vindo morar em Santa Catarina.
    Então, disse-me que seu nome era Silvio Pléticos e que tinha interesse em conhecer pessoas que gostassem das artes, principalmente das artes plásticas. Bom, embora eu já tenha feito desenho artístico, nunca tive nenhum aprofundamento sobre essa arte.
    Soube mesmo naquele momento, que ele era um grande apaixonado pela Arte, como talvez seja o único empreendimento possível para suportar o fardo tacanho do existir, embora eu hoje, com 42 anos - por ceticismo e desencanto - não acredite muito em mais nada.
    Quem sabe possamos nos conhecer em breve, pessoalmente.

domingo, 31 de julho de 2011

visão cinco












visão cinco



EU se tivesse cor
seria vermelho

por mim pelos russos
pelo meu sangue

e brindaria com Iessiênin
o frio o inferno
no coágulo do tempo

égua rubra alisando as crinas

esmagados
nos tinidos dos seus cascos

o silêncio

a melancolia viva





(Anderson Dantas, 30/07/2011, por volta da meia-noite, Ilha de SC)

sábado, 16 de julho de 2011

visão quatro















visão quatro



pelas sombras.

quero montar no cavalo negro!
quero montar no cavalo negro!

que sangue devo derramar?

quero lutar a luta boa!

devo derramar o sangue cristão?
o sangue dos pagãos?
o sangue dos muçulmanos?

quero lutar a luta boa!

estou montado na besta negra

                                          - terra devastada




(Anderson Dantas, 16/07/2011, Ilha de SC)

terça-feira, 12 de julho de 2011

visão três
















visão três



pelos fogos.

o efebo
que atende
as tempestades
com seus lábios
e pétalas em brasa.

estamos revirando
o Sol
para achar-lhe
as tripas.



(Anderson Dantas, 12/07/2011, Ilha de SC)

sábado, 9 de julho de 2011

visão dois



















visão dois



pelos ventos.

o que foi
roendo
as ilhargas do tempo.

trigo, éter
e ossos

rumor
e declínio
da pedra

cinzaescuro.



(Anderson Dantas, 09/07/2011, Ilha de SC)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

visão um
















visão um



pelas águas.

desce a chuva
por um
e outro degrau

onde a cal
abranda
Tua fúria

dormem morcegos
no azul
do teu sonho.




(Anderson Dantas, 07/07/2011, Ilha de SC)

domingo, 15 de maio de 2011

BENJAMIN PÉRET e o Estranho Amor



















ESCUTA

Se me abrigasses como um besouro num armário
eriçado de campainhas-brancas coloridas pelos teus olhos
de virgens transatlânticas
segunda terça etc. não seriam nada mais do que uma mosca
sobre uma praça orlada de palácios em ruínas
donde sairia uma imensa vegetação de coral
e de xales bordados
onde se vê
árvores obliquamente abatidas
que vão se confundir com os bancos das pracinhas
onde eu dormia aguardando que chegasses
como uma floresta aguarda a passagem de um cometa
para ver claro
entre suas matas fechadas que gemem como uma
chaminé
chamando a acha de lenha que ela deseja desde que
começou a bocejar
como uma pedreira abandonada
e treparíamos como uma escada numa torre
para nos ver desaparecer
ao longe
como uma mesa levada pela inundação


(Benjamin Péret, Amor Sublime - tradução de Sérgio Lima e Pierre Clemens)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sapatos pelos céus de Porto Alegre














PARÁBOLA

A imagem daqueles salgueiros nágua é mais nítida
e pura que os próprios salgueiros. E tem também uma
tristeza toda sua, uma tristeza que não está nos primitivos
salgueiros.


INFERNO

Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de
arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado,
entre um curioso povo de profetas e virgens, que formava alas
para me ver passar. Mas eu me debruçava inquieto a uma e outra
janela: faltava-me alguma coisa. Faltava ... Faltavam os meus desafetos.
Eu só queria ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me
vissem passar, tirado por anjos, num palanquim de ouro!


EPÍLOGO

Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora
está suspenso. Nada agüenta mais nada. E sabe Deus o que é que
desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas!
Não sabe ... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca ...
Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.


(Sapato Florido, Mário Quintana - 1948)

domingo, 6 de março de 2011

RETRETE (O homem político)


RETRETE



Pediram-me uma retrospectiva do Brasil de 1993, mas o filósofo húngaro Max Nordau, nascido em 1849 e falecido em 1923, já fez uma retrospectiva do nosso Brasil de Sempre. E da política de “quase sempre” em vários países do Planeta Terra.

(...) Se não, vejamos:

“O que é para o deputado o interesse geral e o bem público? Mero negócio de comédia: o deputado quer subir e o eleitor tem de servir-lhe de estribo. Trabalhar para o povo? Besteira! O povo é que deve trabalhar para ele. Apelidam os eleitores ‘gado que vota’: essa metáfora é de rara exatidão... gado metafórico que no dia eleição deposita a cédula na urna.

“O político não tem outro fim nas suas ações senão o gozo de seu egoísmo. Para aí chegar, deve obter o apoio da massa. Ora, não se obtém esse apoio senão à força de promessas e das tradicionais palavras de sensação que recitam tão maquinalmente, como o mendicante o seu Paster Noster. O político submete-se a esse uso sem hesitar. Desde que eleito pelos eleitores, o seu amor-próprio fica satisfeito e a massa desaparece completamente das suas vistas para surgir de novo quando o ameaçam de lhe tirar o poder. Então fará o que for necessário para conservá-lo, como fez antes para obtê-lo. Conforme as exigências da situação, ele dobrará de novo a enfiada das promessas e das frases de sensação ou ameaçará com o punho aqueles que murmurarem.

“Os eleitores não conhecem o indivíduo, nada sabem de seu caráter, se tivessem que emprestar-lhe por algumas horas uma chaleira velha, informar-se-iam dele certamente melhor; no entanto, confiam-lhe os maiores interesses do Estado.

“Eis os homens que seguem a carreira política são conduzidos pelo egoísmo, entretanto, têm necessidade de certa popularidade, e a popularidade só é adquirida ordinariamente por aquele que auxilia a felicidade da comunidade ou finge auxiliá-la; os nossos ambiciosos terão, pois, de ocupar-se dos interesses públicos ou farão pelo menos semblante de interessar-se por eles. Devem, para ser bem-sucedidos, possuir diversas qualidades que não atraiam simpatias. Devem saber fingir e mentir, porque são constrangidos a sorrir para homens que lhe são repugnantes ou indiferentes, sob pena de criar inumeráveis inimigos; devem fazer promessas que sabem previamente não poder cumprir. Devem, enfim, lisonjear as inclinações e as paixões vulgares da multidão, fingir partilhar seus preconceitos, suas idéias tradicionais. Todos esses traços reunidos formam um personagem repulsivo ao homem de caráter firme. Em qualquer romance, semelhante personagem não atrairia nunca a simpatia do leitor; na vida, o mesmo leitor lhe dá seu voto de todas as eleições.”

“A mosca é que muda, mas a merda continua a mesma”.




(Hilda Hilst, Cascos e Carícias – Dezembro 1993)

domingo, 9 de janeiro de 2011

GIORGOS SEFÉRIS, Vento Sul




















VII



Vento sul


Funde-se o mar, no ocaso, a uma cordilheira.
A nossa esquerda sopra o vento sul e nos transtornam
essas lufadas que arrancam os ossos da carne.
Nossa casa entre pinhais e alfarrobeiras.
Grandes janelas. Grandes mesas
onde escrever as cartas que estes meses todos
te escrevemos, cartas que atiramos
por cima da distância a preencher.

Estrela da manhã, quando baixaste o olhar
foram nossas horas mais doces do que o bálsamo
na ferida, mais risonha do que a água
fria no palato, mais serena do que as asas do cisne.
Tomavas nossa vida em tua palma
Depois do amargo pão da terra estranha
se ficamos de noite frente ao muro branco
tua voz se acerca como esperança de fogo
e esse vento novamente afia
uma navalha em nossos nervos.

Cada um de nós te escreveu as mesmas coisas
e silencia cada um diante do outro
olhando, cada um, o mesmo mundo à parte
a sombra e a luz na cordilheira
e a ti.
Quem arrancará este pesar de nosso coração?

Ontem à noite uma tempestade e hoje
Pesa de novo o céu enfarruscado. Nossos pensamentos
como as agulhas de pinheiro da tempestade de ontem
se acumulam à porta da casa e em vão querem
erguer uma torre que se abate.

Em meio a esses países dizimados
sobre este cabo varrido pelo vento sul
com a cordilheira que te oculta à nossa frente,
quem levará em conta nosso empenho de esquecer?
Quem aceitará nossa oferenda, neste fim de outono?



(Giorgos Seféris – Estória Mítica 1933-1934 – Tradução José Paulo Paes)

Total de visualizações de página