sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

uma casa na estação















uma casa na estação

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          (a hora do homem é a tapera dos ausentes)


aqui
      no verão rubro
                           do peito
aqui
      na chuva funda
                          que cintila
                                          na pupila
e a alegria
        infantil
                que enche
                              os campos abertos
as ruínas
           da casa
                     e dos lábios
                               que murmuram estórias


o olho azul
           coleante
                     doce e severo
                              que geme nos eucaliptos


descaminhos
             que dilaceram
                                 tua perna

trilhos
            enquanto sombras
                                 fantasmas estalam

encilham
           os cavalos
                     e desvelam os cães
                                            de nossas
                                                      memórias mortas
(aqui
        no verão fundo
                     de nossas chamas)






(Bagé (RS), 13 – 17/02/2010)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A LOUCURA, e seu gorro com guizos




















Elogio da Loucura

(trecho)
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       Não espero votos; não me enfureço; não reclamo oferendas expiatórias por um detalhe omitido num rito. Não revolto céus e terras, se convidaram os outros deuses, deixando-os em casa ou se não me deixam farejar o cheiro das vítimas. É tamanha a exigência das divindades neste ponto, que é mais vantajoso e seguro negligenciá-las do que servi-las; assim como existem homens de gênio tão ruim e tão fáceis de irritar que seria melhor ignorá-los completamente do que os ter como amigos.
       Mas ninguém, dizem, oferece sacrifícios à Loucura, nem lhe ergue templos. Exato, e essa ingratidão, já vos disse, muito me surpreende; mas sou indulgente e levo as coisas pelo lado bom. Nem mesmo ligo para isso. Por que me importaria com um pouco de incenso ou um punhado de farinha sagrada, com um bode ou uma porca, quando em todos os lugares onde existem homens obtenho um culto que até os teólogos consideram excelente? Porventura, precisaria eu sentir ciúmes de Diana porque a reverenciam com sangue humano? Eu, de minha parte, acho-me perfeitamente servida por todos e em todos os lugares, quando os corações me possuem, os costumes me refletem e a vida é a minha imagem.
       Este modo particular de um culto não é freqüente entre os cristãos. A maioria apresenta à Virgem, mãe de Deus, uma pequena vela em pleno dia, que não lhe serve para nada. Mas como são poucos os que se esforçam em imitar suas virtudes, a castidade, a modéstia, o amor das coisas divinas! Este é, entretanto, o verdadeiro culto, muito mais agradável aos habitantes do Céu. Por que ademais, iria eu desejar um templo, dispondo do mais belo de todos, já que tenho o universo?

       Só eu, a Loucura, e mais ninguém, estou sempre pronta para distribuir indistintamente favores para todos os homens.


(Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam, tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira para a tradução de Pierre Noillac.
Imagem: desenho de Holbein)

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