terça-feira, 12 de setembro de 2006

NAURO MACHADO, O Netuno do Maranhão


(foto da Chapada das Mesas, MA)

AMPULHETA

Eis que já te acossa
o despojo de tudo.
Teu tempo é por demais
saciedade.

(Gasta, podre maçã,
desfaz-se no chão idêntico.)

Eternidade,
usufruto do tempo:
eis que te devora
o ludíbrio de vida.

(Do Frustrado Órfico, 1963)


O PÃO DOS MORTOS

(Deixai que os mortos
enterrem seus mortos.)

Eu, por mais que faça,
desenterro a graça
dos que pedem paz.
Eu, que lhes nego - e ao osso,
o eterno repouso

(a eles, sombra da água
que em nada deságua
e só pedem que
lhes deixemos ser
branco esquecimento);

eu, que lhes sepulto
- duas vezes - o vulto,
dando-os a mim
e dando-lhes fim,
eu, por mais que faça:

dou-lhes pão e desgraça.

(Ouro Noturno, 1965)


MATILHA

Vocábulo onde me faço
ladrão de uma ladra loba:
pudesse ser eu o regaço
que se nutre da tua boca
crepuscular, ladra e loba,
loba faminta que ladra
por sobre a orgânica estopa
que me cobre, enterra e tapa!

(A Vigésima Jaula, 1974)


MASMORRA DIDÁTICA

Poesia: idade-média
descacando a pele
da criatura humana,
para deixá-lo em osso
até o final dos tempos.

Invenção de verbo,
a poesia fede
a solidão humana
escovando o hálito
todas as manhãs.

(Por não ter um dente
ou residir em boca,
o dia se eterniza
sem as nossas fezes
e a nossa saliva.)

Poesia: idade-média,
idade da pedra,
idade de Adão.
Teu mundo amanhece
diariamente.

(Masmorra Didática, 1979)

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