sexta-feira, 28 de setembro de 2012

HISPANISMOS: Vicente Huidobro


























Canto II

(trechos)
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Eis-me aqui perdido entre mares desertos
Só como a pluma que cai de um pássaro na
            noite
Eis-me aqui numa torre de frio
Ao abrigo da lembrança dos teus lábios marítimos
Da lembrança de tuas complacências e de tua
            cabeleira
Luminosa e desatada como os rios de montanha
Irias ser cega para que Deus te desse as mãos?
Pergunto-te outra vez

O arco de teus supercílios estendido para as armas
            dos olhos
Na ofensiva alada vencedora segura com
            orgulhos de flor
Falam-te por mim as pedras espancadas
Falam-te por mim as ondas de pássaros sem céu
Fala-te por mim a cor das paisagens sem vento
Fala-te por mim o rebanho de ovelhas taciturnas
Adormecido em tua memória
Fala-te por mim o arroio descoberto
A erva sobrevivente atada à aventura
A aventura de luz e sangue de horizonte
Sem mais abrigo que uma flor que se apaga
Se há um pouco de vento

Eis-me aqui tua estrela que passa
Com tua respiração de fadigas distantes
Com teus gestos e teu modo de andar
Com o espaço magnetizado que te saúda
Que nos separa com léguas de noite

No entanto te advirto que estamos costurados
À mesma estrela
Estamos costurados pela mesma música estendida
De um a outro
Pela mesma sombra gigante agitada como árvore
Sejamos este pedaço de céu
Este trecho em que se passa a aventura misteriosa
A aventura do planeta que estala em pétalas de
            sonho



(Altazor, tradução de Antonio Risério e Paulo César Souza, 1991)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Poética do Silêncio






A Poética do Silêncio
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UMA NOITE, assolado pela solidão e melancolia, comecei a assistir um filme, que era este, OPIUM, e coincidentemente, vinha ao meu encontro naquele momento, o mesmo sentimento do protagonista, que era a aridez para escrever. Algumas imagens do filme levaram-me a pressentir alguns poemas de Trakl, como se eu estivesse em Grodek, nas camas sujas improvisadas dos feridos de guerra, mutilados tanto na carne quanto psiquicamente.
Também lembrei da entrevista que Cioran concedeu a Sylvie Jaudeau, e que transcrevo aqui algumas passagens:
- Essa nostalgia precisamente é o fundamento da sua visão de mundo. Como o senhor a define?
- Esse sentimento está, em parte, ligado às minhas origens romenas. Lá, ele impregna toda a poesia popular. É um dilaceramento indefinível que se chama, em romeno, “dor”, próximo do “sehsucht” dos alemães, mas sobretudo da “saudade” dos portugueses.
- O senhor escreveu: "Existem três tipos de melancolia: russa, portuguesa e húngara".
- O povo mais melancólico que eu conheço é o húngaro; a música cigana serve de prova disso. Brahms, na juventude, fascinou-se por ela, de onde o charme insinuante de sua obra.
- Por que o senhor rompeu com a poesia?
- Por esgotamento interior, por enfraquecimento da minha capacidade de emoção. Chega um tempo em que se fica ressecado. O interesse pela poesia está ligado a essa frescura do espírito sem a qual rapidamente os artifícios são percebidos. O mesmo vale para a prosa.  Na medida em que fico mais velho, escrever não me parece essencial. Livre de um ciclo de tormentos, descubro enfim a dor da capitulação. A rendição é a pior das superstições; sinto-me feliz de não ter sucumbido. Tenho imenso respeito pelos desistentes, os que tiveram coragem para apagar-se, sem deixar rastros.
- A sua verdade não reside no silêncio oposto hoje aos que ainda esperam livros do senhor?
- Talvez; mas se não escrevo mais, é por estar farto de caluniar o universo. Sou vítima de uma espécie de desgaste. A lucidez e a fadiga venceram-me – falo de uma fadiga filosófica tanto quanto biológica - , algo se rompeu em mim. Escreve-se por necessidade, e a lassitude elimina essa necessidade. Chega um tempo em que nada disso interessa mais. Em outras palavras, freqüentei pessoas em demasia que escreveram em excesso, obstinadas pela produção (...) Mas me parece que eu também escrevi demais. Um único livro teria bastado.

UMA NOITE em todas as noites, paira esse monstro da dúvida:
- Calar de vez ou escrever ainda?




Anderson Dantas - 2012
Eu moro numa Ilha.

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