domingo, 6 de março de 2011

RETRETE (O homem político)


RETRETE



Pediram-me uma retrospectiva do Brasil de 1993, mas o filósofo húngaro Max Nordau, nascido em 1849 e falecido em 1923, já fez uma retrospectiva do nosso Brasil de Sempre. E da política de “quase sempre” em vários países do Planeta Terra.

(...) Se não, vejamos:

“O que é para o deputado o interesse geral e o bem público? Mero negócio de comédia: o deputado quer subir e o eleitor tem de servir-lhe de estribo. Trabalhar para o povo? Besteira! O povo é que deve trabalhar para ele. Apelidam os eleitores ‘gado que vota’: essa metáfora é de rara exatidão... gado metafórico que no dia eleição deposita a cédula na urna.

“O político não tem outro fim nas suas ações senão o gozo de seu egoísmo. Para aí chegar, deve obter o apoio da massa. Ora, não se obtém esse apoio senão à força de promessas e das tradicionais palavras de sensação que recitam tão maquinalmente, como o mendicante o seu Paster Noster. O político submete-se a esse uso sem hesitar. Desde que eleito pelos eleitores, o seu amor-próprio fica satisfeito e a massa desaparece completamente das suas vistas para surgir de novo quando o ameaçam de lhe tirar o poder. Então fará o que for necessário para conservá-lo, como fez antes para obtê-lo. Conforme as exigências da situação, ele dobrará de novo a enfiada das promessas e das frases de sensação ou ameaçará com o punho aqueles que murmurarem.

“Os eleitores não conhecem o indivíduo, nada sabem de seu caráter, se tivessem que emprestar-lhe por algumas horas uma chaleira velha, informar-se-iam dele certamente melhor; no entanto, confiam-lhe os maiores interesses do Estado.

“Eis os homens que seguem a carreira política são conduzidos pelo egoísmo, entretanto, têm necessidade de certa popularidade, e a popularidade só é adquirida ordinariamente por aquele que auxilia a felicidade da comunidade ou finge auxiliá-la; os nossos ambiciosos terão, pois, de ocupar-se dos interesses públicos ou farão pelo menos semblante de interessar-se por eles. Devem, para ser bem-sucedidos, possuir diversas qualidades que não atraiam simpatias. Devem saber fingir e mentir, porque são constrangidos a sorrir para homens que lhe são repugnantes ou indiferentes, sob pena de criar inumeráveis inimigos; devem fazer promessas que sabem previamente não poder cumprir. Devem, enfim, lisonjear as inclinações e as paixões vulgares da multidão, fingir partilhar seus preconceitos, suas idéias tradicionais. Todos esses traços reunidos formam um personagem repulsivo ao homem de caráter firme. Em qualquer romance, semelhante personagem não atrairia nunca a simpatia do leitor; na vida, o mesmo leitor lhe dá seu voto de todas as eleições.”

“A mosca é que muda, mas a merda continua a mesma”.




(Hilda Hilst, Cascos e Carícias – Dezembro 1993)

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