sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Aleksandr Púchkin (Caderno Russo II)



INVOCAÇÃO



Ah! se é que, quando a repousar
À noite se acham os viventes.
E escorrem raios de luar
Nos túmulos dos mortos entes,
Ah! se é que, então, de fato, ali
Se esgota cada sepultura,
Minha voz Leila ora conjura:
A mim, amada, estou aqui!

Surge, visão do meu amor,
Como eras antes da partida:
Dia hibernal, frio e palor,
Mudada pela última lida.
Vem como estrela, imploro a ti,
Ou sopro, ou som mal perceptível,
Ou como aparição terrível,
Tanto me faz: estou aqui!

Invoco-te, mas não por ver
Vituperar quem, desumano,
Causou a amada me morrer,
Ou por alçar da morte o arcano,
Ou por que, alguma vez, senti
Dúvida ... mas, saudoso estando,
Digo que estou te amando,
Que sou teu todo: estou aqui!


1830

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Marina Tsvetáieva (Caderno Russo I)



Negra como pupila, como pupila sugando


Negra como pupila, como pupila sugando
Luz – amo-te, noite aguçada.

Dá-me voz para cantar-te, ó promadre
Das canções, em cuja palma há a brida dos quatro ventos.

Clamando-te, glorificando-te, sou apenas
A concha, onde ainda não calou o oceano.

Noite! Já gastei meus olhos nas pupilas do homem!
Encinera-me, negro sol – noite!



9 de agosto de 1916

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Do Ciclo Versos a Blok


Na mão, um pássaro que cala


Na mão, um pássaro que cala,
Teu nome – pedra de gelo na fala.
Um movimento de lábios, só.
Teu nome – quatro sons.
Uma bola em vôo apanhada,
Um guizo na boca, de prata.

Um seixo, atirado num lago calmo,
soluça assim, como te aclamo.
Ao leve tropel de casco noturno
Alto teu nome responde.
E o gatilho a estalar soturno
Lembra-o, em nossa fonte.

Teu nome – ah, não consigo! –
Teu nome – um beijo no ouvido.
No gelo terno de pálpebras rígidas,
Da neve é o beijo no mundo.
É um gole de fonte, azul e frígido.
Em teu nome – o sono é profundo.



15 de abril de 1916

(traduções de Aurora Bernardini)

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Encontro


Vou chegar tarde ao encontro marcado,
cabelos já grisalhos. Sim, suponho
ter-me agarrado à primavera, enquanto
via você subir de sonho em sonho.

Vou carregar esse amargo – por largo
tempo e muitos lugares, de penedos
a praças (como Ofélia – sem lámurias)
por corpos e almas – e sem medos!

A mim, digo que viva; à terra, gire
com sangue no bosque e sangue corrente,
mesmo que o rosto de Ofélia me espie
por entre as relvas de cada corrente,

e, amorosa sedenta, encha a boca
de lodo – oh, haste de luz no metal!
Não chega este amor à altura do seu
amor ... Então, enterre-me no céu!

(tradução de Décio Pignatari)

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