sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Meus Melhores Fragmentos - Hilda Hilst (parte dois)



















IV


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                                                        A Federico Garcia Lorca



Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
Quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
Pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
Que bebi da tua boca a fúria de umas águas
Eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
Porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah, se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE
E mais um tempo, nem será licito ao poeta ter memória
E cantar de repente: “os arados van e vên
                                      dende a Santiago a Belén”.
Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
A tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
Deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?
                                     “El passado se pone
                                     su coraza de hierro
                                     y tapa sus oídos
                                     con algodón del viento.
                                     Nunca podrá arrancársele
                                     un secreto.”
E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
Azuis, brancos e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
De infância, o plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.


(Hilda Hilst, Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão – Poemas aos homens de nosso tempo – 1974)



XVII

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Os juncos afogados
Um cão ferido
As altas paliçadas
Devo achar a palavra
Companheira do grito.

Um risco n´água
Um pássaro aturdido
Entre o capim e a estrada

Um grande girassol
Explodindo entre as rodas

Imagens de mim
Na caminhada.



(Hilda Hilst, Cantares de Perda e Predileção – 1983)



I

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Pés burilados
Luz-alabastro
Mandou seu filho
Ser trespassado

Nos pés de carne
Nas mãos de carne
No peito vivo. De carne.

Pés burilados
Fino formão
Dedo alongado agarrando homens
Galáxias. Corpo de homem?
Não sei. Cuidado.

Vive do grito
De seus animais feridos
Vive do sangue
De poetas, de crianças

E do martírio de homens
Mulheres santas.

Temo que se aperceba
De umas misérias de mim
Ou de veladas grandezas.

Soberbas
De alguns neurônios que tenho
Tão ricos, tão carmesins.
Tem esfaimada fome
Do teu lado que lateja.

Se tenho a pedir, não peço.
Contente, eu mais lhe agradeço
Quanto maior a distância.
E só porisso uma dança, vezenquando
Se faz nos meus ossos velhos.

Cantando e dançando, digo:
Meu Deus, por tamanho esquecimento
Desta que sou, fiapo, da terra um cisco
Beijo-te pés e artelhos.

Pés burilados
Luz-alabastro
Mandou seu filho
Ser trespassado

Nos pés de carne
Nas mãos de carne
No peito vivo. De carne.

Cuidado.



(Hilda Hilst, Poemas Malditos, gozosos e devotos – 1984)

Um comentário:

Fred Caju disse...

impossível passa indiferente!

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