sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
BATAILLE MALDITO: o ateu místico
A confissão de Simone
e a missa de Sir Edmond
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(trechos)
Não é difícil imaginar o meu espanto. Simone atrás da cortina, ajoelhou-se. Enquanto ela cochichava, eu aguardava com impaciência os efeitos dessa travessura. O ser sórdido, cismava eu, pularia para fora de sua caixa, precipitando-se sobre a sacrílega. Nada de semelhante aconteceu. Simone falava baixinho, sem parar, diante da janelinha gradeada.
Avancei nas pontas dos pés.
Simone realmente se masturbava, colada entre as grades, o corpo tenso, as coxas afastadas, os dedos remexendo os pentelhos. Consegui tocá-la, minha mão alcançou o buraco entre as nádegas. Nesse momento, ouvi-a claramente pronunciar:
- Padre, ainda não disse o pior.
Seguiu-se um silêncio.
- O pior, padre, é que estou me masturbando enquanto falo com o senhor.
Mais alguns segundos, agora de cochichos. Finalmente, quase em voz alta:
Se não acredita, posso lhe mostrar.
E Simone se levantou, abrindo-se diante do olho da guarita, masturbando-se em êxtase, com a mão segura e rápida.
- E então, padreco – berrou Simone golpeando violentamente o armário - , o que você está fazendo no seu barraco? Batendo punheta também?
Mas o confessionário permanecia mudo.
- Então, eu vou abrir!
Lá dentro, o visionário sentado, de cabeça baixa, enxugava a testa encharcada de suor. A moça apalpou a batina: ele não reagiu. Ela arregaçou a imunda saia preta e tirou para fora um pau comprido, rosado e duro: ele se limitou a inclinar a cabeça para trás, com um trejeito e um zunido entre os dentes. Deixou Simone agir, e esta meteu a verga bestial na boca.
Sir Edmond e eu tínhamos ficado imóveis de espanto. O assombro me paralisava. Eu não sabia o que fazer, quando o enigmático inglês se aproximou. Afastou Simone com delicadeza. Depois, segurou o verme pelo pulso, arrancou-o para fora do buraco e o estendeu nas lajes, a nossos pés: o desprezível sujeito jazia feito morto pelo chão e a baba lhe escorria pela boca. O inglês e eu o transportamos, nos braços, para a sacristia.
De braguilha aberta, pau murcho, o rosto lívido, ele não ofereceu resistência, respirando com dificuldade; nós o jogamos numa poltrona de forma arquitetural.
- Señores – proferiu o miserável - , vocês acham que sou um hipócrita!
- Não – disse Sir Edmond, num tom categórico.
Simone perguntou-lhe:
- Como é o seu nome?
- Don Aminado – respondeu.
Simone esbofeteou a carcaça sacerdotal. Com o golpe, a carcaça enrijeceu novamente. Ele foi despido; Simone, de cócoras sobre as roupas jogadas no chão, mijou feito uma cadela. Em seguida, Simone masturbou o padre e o chupou. Eu enrabei Simone.
Passados alguns minutos, o inglês voltou à sala, trazendo consigo um cibório decorado com anjinhos nus como cupidos.
Don Aminado contemplava fixamente aquele recipiente de Deus colocado no chão; o seu belo rosto idiota, contorcido pelas mordidas com que Simone lhe excitava o pau, expressava um desvario absoluto.
O inglês tinha trancado a porta. Vasculhando os armários, encontrou um cálice grande. Pediu-nos que abandonássemos o miserável por uns instantes.
- Você está vendo – disse a Simone – estas hóstias no cibório e agora este cálice onde se coloca o vinho.
- Cheira a porra – disse ela, farejando os pães ázimos.
- Justamente – continuou o inglês - , estas hóstias que você está vendo são o esperma de Cristo transformado em bolinhos. E o vinho, os eclesiásticos dizem que é o sangue. Enganam-nos. Se fosse realmente o sangue, eles beberiam vinho tinto, mas só bebem vinho branco, porque sabem perfeitamente que se trata de urina.
A demonstração era convincente. Simone agarrou o cálice e eu me apoderei do cibório: Don Aminado na sua poltrona, foi percorrido por um ligeiro tremor.
Simone começou por lhe aplicar uma grande pancada na cabeça, com a base do cálice, que o excitou mas acabou de bestializá-lo. Chupou-o de novo. Ele emitiu gemidos desprezíveis. Ela o levou aos limites da fúria dos sentidos e então:
- Isso não é tudo – disse - , é preciso mijar.
Deu-lhe outra bofetada.
Despiu-se na frente dele e eu a masturbei.
O olhar do inglês estava tão duro, cravado nos olhos do jovem bestializado, que a coisa aconteceu sem dificuldade. Don Aminado encheu ruidosamente de urina o cálice que Simone mantinha sob seu cacete.
- E agora, beba – disse Sir Edmond.
O miserável bebeu num êxtase imundo.
Simone chupou-o de novo; ele urrou tragicamente de prazer. Com um gesto demente, atirou o penico sagrado, que rachou contra a parede. Quatro braços robustos o agarraram e, de pernas abertas, corpo quebrado, berrando como um porco, cuspiu sua porra nas hóstias do cibório que Simone segurava sob ele enquanto o masturbava.
(Georges Bataille, Histoire de l´oeil)
domingo, 3 de janeiro de 2010
o que eles querem
Vallejo escrevendo sobre
solidão enquanto morria de
fome;
a orelha de Van Gogh rejeitada por uma
puta;
Rimbaud correndo para a África
em busca de ouro e encontrando
um caso incurável de sífilis;
Beethoven ficou surdo;
Pound foi arrastado pelas ruas
numa gaiola;
Chatterton tomou veneno para rato;
o cérebro de Hemingway pingando dentro
do suco de laranja;
Pascal cortando os pulsos na banheira;
Artaud trancado com os loucos;
Dostoiévski de pé contra um muro;
Crane pulando na hélice de um barco;
Lorca baleado na estrada pelo exército
espanhol;
Berryman pulando de uma ponte;
Burroughs atirando na mulher;
Mailer esfaqueando a sua;
- é isso o que eles querem:
o danado dum show
uma placa luminosa
no meio do inferno.
é isso o que eles querem,
aquele bando de
estúpidos
inarticulados
tranqüilos
seguros
admiradores de
carnavais.
(Bukowski, tradução de Pedro Gonzaga)
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
SER ESTRANHO
SER ESTRANHO
(Letra: Casa Branca e Gandhula
Intérprete: Jessé)
Dentro de mim aparece as vezes
Uma mulher que me vive em segredo
Um ser estranho que até tenho medo
Que algum dia me expulse de mim
É mais doida, que a própria ferida
É mais calada que o próprio silencio
E tem a idade em que nada é proibido
Vive comigo dentro de mim
Corre pra dentro de mim
Como se eu fosse uma espécie de abrigo
Fala comigo tal qual a um amigo
E me aconselha a fazer tudo aquilo que a coragem não deixa fazer
Quando eu não faço ela faz
Quando eu não quero ela é audaz
Quando se zanga consegue o que quer
Às vezes me diz que não quer ser mulher
Mas sente falta de um homem qualquer
Essa mulher grita dentro de mim quando calo
Essa mulher chora dentro de mim quando canto
Essa mulher ri do meu sofrimento se amo
Essa mulher sai de dentro mim quando sonho
Essa mulher morre dentro de mim quando grito
Essa mulher me da sua mão quando sofro
Ela é tão "eu" que as vezes não sei quem é ela
É tão só que as vezes não sei se sou eu
Ela é a vida, é a morte doida
É doída como um corte no fundo do meu coração, coração, coração
Dentro de mim aparece em segredo
Uma mulher quem me vive às vezes
Um ser estranho que até tenho medo
Algum dia me expulse de mim
E algum dia me expulse de mim
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
JULES LAFORGUE escreveu e T.S. ELIOT imitou
MEDIOCRIDADE
No infinito coberto de eternas belezas,
Como átomo perdido, incerto, solitário,
Um planeta chamado Terra, dias contados,
Voa com os seus vermes sobre as profundezas.
Filhos sem cor, febris, ao jugo do trabalho,
Marchando, indiferentes ao grande mistério,
E quando um dos seus é enterrado, já sérios,
Saudam-no. Do torpor não são arrancados.
Viver, morrer, sem desconfiar da história
Do globo, sua miséria em eterna glória,
Sua agonia futura, o sol moribundo.
Vertigens de universo, todo o céu só festa!
Nada, nada, terão visto. Partem do mundo
Sem visitar sequer o seu próprio planeta.
(Jules Laforgue – Litanias da Lua, tradução de Régis Bonvicino)
V. O que Disse o Trovão
(trechos)
Após a rubra luz do archote sobre as faces suadas
Após o gelado silêncio nos jardins
Após a agonia em regiões pedregosas
O clamor e a súplica
Cárcere palácio reverberação
Do trovão primaveril sobre longínquas montanhas
Aquele que vivia agora já não vive
E nós que então vivíamos agora agonizamos
Com um pouco de resignação.
Aqui não há água, mas apenas rocha
Rocha. Água nenhuma. E o caminho arenoso
O coleante caminho que sobe entre as montanhas
Que são montanhas de rocha inaquosa
Se houvesse água por aqui, nos deteríamos a bebê-la
Não se pode parar ou pensar em meio às rochas
Seco o suor nos poros e os pés postos na areia
Se aqui houvesse água em meio às rochas
Montanha morta, boca de dentes cariados que já não pode cuspir
Aqui não se fica de pé e ninguém se deita ou senta
Nem o silêncio vibra nas montanhas
Apenas o áspero e seco trovão sem chuva
Sequer a solidão floresce nas montanhas
Apenas rubras faces taciturnas que escarnecem e rosnam
A espreitar nas portas de casebres calcinados
Se houvesse água por aqui
E não rocha
Se aqui houvesse rocha
Que água também fosse
E água
Uma nascente
Uma poça entre as rochas
Se ao menos aqui se ouvisse um sussurro de água
(T. S. Eliot – A Terra Desolada, tradução de Ivan Junqueira)
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
o universo inteiro é um homem sentado
áspera
e nunca-espera
de barcos e pescadores
(ainda lembro
da tartaruga
morta)
o salobro canto
engasgado na garganta
o corte feio
abrindo a carne
o universo inteiro
é um homem
sentado
via espessa e líquida
de favo escuro
e inscrito:
manhã
nada mais a completa
tudo se
repete:
(Ilha, Pântano do Sul, 05 Dez 2009, 00:36)
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
OPUS INFERNAL e 2012
O ANO é 2009. 19 de Novembro. Por volta das 16 horas, começam os sinais. Ventanias, trovões, intensa chuva, quedas de árvore e de postes, inundações, desabamentos, destelhamentos. Na Ilha da Magia, a terra das bruxas de Cascaes, a antiga Desterro, parece que vem abaixo.
A nova onda é a fatal inversão polar, prevista numa grande catástrofe em 2012. Pois eu a subverto. Eu reinvento a nova ordem. A revelação assintomática da INVERSÃO INFERNAL.
(Fotos do Lançamento do Livro OPUS INFERNAL e a Canção Branca, iniciado pontualmente às 19h30.
As imagens foram lindamente projetadas por Dienífer Bartnik)
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
terça-feira, 13 de outubro de 2009
TRÊS ANGÚSTIAS (à Francesa)
ANGOISSE
Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pois o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade
De um coração que crime algum fere como presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
(Mallarmé, tradução de José Lino Grünewald)
L´ANGOISSE
Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tão rubro,
A solene dolência dos poentes, além.
Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio pelas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.
Não creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a quem chamam Amor.
Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.
(Verlaine, tradução de Fernando Pinto do Amaral)
ANGOISSE
Será possível que Ela me faça perdoar as ambições
continuamente esmagadas, - que um fim cômodo compense
as idades da indigência, - que um dia de êxito nos adormeça
sobre a vergonha de nossa fatal inabilidade.
(Ó palmas! diamante! – Amor! força! – mais alto que
todas as alegrias e glórias! – de qualquer modo, em toda parte,
- demônio, deus – Juventude desta criatura; eu!)
Que acidentes de magia científica e movimentos de
fraternidade social sejam prezados como restituição progressiva
da franqueza primeira? ...
Mas a Vampiro que nos torna gentis ordena que nos divirtamos
com o que ela nos deixa, ou que então sejamos mais esquisitos.
Rolar até as feridas, no ar fatigante e no mar; até os
suplícios, no silêncio das águas e do ar assassinos; até as torturas
que riem em seu silêncio atrozmente encapelado.
(Rimbaud, tradução de Ledo Ivo)
terça-feira, 22 de setembro de 2009
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
aqueles dias
aqueles dias
aqueles dias
de luta
de luto
(de vinho e chá escuro)
eu poderia te dizer um único verso:
fumo de tabaco rói o ar.
antes eu,
e dentro batia
no peito a rugir; filhote
de leão manso
dizem a cabeça pende
e hoje, irmão,
na caçada leão de juba
(juba grisalha e rala)
um poema, uma navalha
em lugar de uma carta
um sonho mesmo às escuras
e o som das metralhas
onde somente a rugir
ventania sul implacável
intermináveis chuvas a molhar os caminhos
tigre cerúleo
e quando a me lembrar
de ti, irmão, vinha-me
ira, Rússia, camponeses, vermelho.
meu irmão,
nossos irmãos, irmão de sangue
irmãos russos se esvaindo
como sementes leves
Maiakóvski, Marina, Iessiênin
suicidados poetas na margem dos melífluos enxurros
tu me dissestes: - esta noite eu corri
com os animais pela madrugada
me salvastes a vida, irmão.
...............................................................................
aqueles dias de luta
de luto
de pó e sangue escuro
diziam leão e tigre
rugidos esquecidos, extintos.
Anos
de servidão e de miséria
comandavam
nossa bandeira vermelha.
aqueles dias, irmão
Neve dos tempos.
(Ilha, 18/09/09, 14h10 e chove muito)
terça-feira, 15 de setembro de 2009
Aleksiéi Krutchônikh (caderno russo IV)
FOME
Lavouras trigosas viraram lenda antiga ...
Tulhas de cereal estalam ressecadas
Campoentos madeireses transformados em tílias
Em lascas as maçãs das faces – magras ...
..........................................................
Na isbá, teto de furos e fumaça,
Cinco filhotes louro-palha
Esgazeiam olhos de pássaro,
Hoje sobre a mesa fumegam tigelas fartas! ...
- Comam deste guisado macio,
Mas comam tudo, sem deixar vestígio,
Senão aquele Silvano ruivo
(Cochila como um carneiro junto à porta do vizinho)
Vai carregar mamãe de mansinho ...
A mãe falou e saiu pé ante pé ...
As crianças rilhavam famintas.
De repente no caldeirão de viés
Viram braços boiando com tripas.
- Uh! Oh! – berram todas para a porta,
E agora em coro fazem: Ah!
A mãe lá estava – morta,
Pescoço azul enroscado em estopa!...
As crianças correram até a escarpa
- Carcaça semi-rota atrás chuchava sopa –
Sinal-da-cruz, e como lebres na água
Se atiram para braços que abraçam ...
O fato se passou perto da Páscoa ...
O sangue do assassinado voltado para cima
Pedia aos homens penitência e prece.
Junto ao muro do reino celeste
A alma da enforcada se reclina ...
(Aleksiéi Krutchônikh, 1920 – tradução de Haroldo de Campos e
Boris Schnaiderman)
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
PERSE e a Parede
A PAREDE
O laço da parede está em frente, para conjurar o círculo de
teu sonho.
Mas a imagem solta um grito.
A cabeça contra o descanso da poltrona gorda, examinas os
dentes com a língua: o gosto de gorduras e molhos infecciona-te as
gengivas.
E sonhas com as nuvens puras sobre tua ilha, quando a
aurora verde se elucida no seio das águas misteriosas.
... É o suor das seivas em exílio, o unto amargo das plantas
de síliquas, a acre insinuação das mangueiras carnudas e o ácido
deleite de certa substância negra nas vagens.
É o mel silvestre das formigas nas galerias da árvore morta.
É um sabor de fruto verde, que acidula a aurora que bebes; o
ar leitoso enriquecido com o sal dos alísios ...
Alegria! ó alegria desatada nas alturas do céu! Os panos
puros resplandecem, os adros invisíveis estão semeados de ervas e
as verdes delícias da terra penteiam-se ao século de um longo dia.
(Saint-John Perse, Imagens a Crusoé)
domingo, 13 de setembro de 2009
sábado, 5 de setembro de 2009
Shadow on the sun - Audioslave
SHADOW ON THE SUN
Uma vez eu pensei em descarregar o teu peso
E te deixar naquele lugar.
Você acreditava que eu era capaz
Você já viu acontecer antes.
Eu poderia ler os teus pensamentos
E dizer o que você via
E nunca dizer uma só palavra.
Agora tudo isso está "morto e enterrado"
Para nunca mais voltar...
Eu posso te dizer porquê as pessoas morrem sozinhas
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol
Olhando para a perda,
Procurando as causas
Mas nunca tem a certeza.
Não há nada além de um buraco
Para se viver sem alma
E não há nada para aprender...
Eu posso te dizer porquê as pessoas enlouquecem,
Eu posso te mostrar como você também pode enlouquecer,
Eu posso te dizer porquê o fim nunca chegará,
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol.
Vultos de todos os tamanhos se movem pelos meus olhos
As portas em minha cabeça estão trancadas por dentro
Cada faísca acende uma vela
Em memória daquele que vive sob a minha pele
Eu posso te dizer porquê as pessoas enlouquecem,
Eu posso te mostrar como você também pode enlouquecer,
Eu posso te dizer porquê o fim nunca chegará,
Eu posso te dizer que eu sou uma sombra no sol.
O FALCÃO, por HOPKINS
THE WINDHOVER
Eis que avistei esta manhã o amado da manhã, delfim do
reino
da luz-do-dia , Falcão arrebatado pela aurora
mosqueada, em seu cavalgar
No ar encapelado que, sob ele, firme se alisa, e ao galgar
Tanta altura, como se eleva espirilando, preso às rédeas de
uma asa ondulante,
Em seu êxtase! E então lá vai, lá vai balouçante
Qual pé de patim macio desliza em arco retesado; o
arremesso, o planar
Afrontam a ventania. Meu coração escondido, em sigilo,
Batia pelo pássaro – o alcance, a mestria daquilo!
Beleza bruta, bravura, ação, oh! altanaria, plumas,
amplidão –
Aqui concentrai-vos! E a fagulha que então de ti irromper,
um bilhão
De vezes mais amorável, mais temível, Ó meu paladino!
Nem surpreende: ao arar paciente, o arado lá sob o sulco
contínuo
Faísca; e o borralho azul-pálido, ah! meu tesouro,
Ao tombar atrita-se, e abre-se em talhos vermelho-e-ouro.
(Gerard Manley Hopkins, 1844-1889)
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
anfiteatro
EU SONHEI
em ti,
meu pai.
na penumbra
senti o hálito
espirilado
do fumo
não colhi a lenha
para acender
o fogo
de nosso gelo hirto
e para a casa velha
não apanhei
nenhum junco
carcomido por ratos
não catei
nenhum fruto
não icei balde
para o poço
e água morta
EU ME PERDI
meu pai
em cega furna
e expiação.
(Ilha de SC, 11h30)
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Ave Lúcifer
ave, lúcifer
as maçãs
envolvem os corpos nus
nesse rio que corre
em veias mansas dentro de mim
anjos e arcanjos
não pousam neste éden infernal
e a flecha do selvagem
matou mil aves no ar
quieta, a serpente se enrola
nos seus pés
é lúcifer da floresta
que tenta me abraçar
vem amor
que um paraíso
num abraço amigo
sorrirá para nós sem ninguém nos ver
prometa
meu amor macio
como uma flor cheia de mel
pra te embriagar, sem ninguém nos ver
tragam uvas negras
tragam festas e flores
tragam copos e dores
tragam incensos odores
mas, tragam lúcifer pra mim
em uma bandeja pra mim
sábado, 29 de agosto de 2009
Inferno: STRINDBERG

TRECHOS DE MEU DIÁRIO
_____________________
Leio um delicioso panfleto, A alegria de morrer, que me dá o desejo de deixar este mundo. Para explorar a fronteira entre a vida e a morte, deito-me na cama, destapo o frasco de cianureto de potássio, que desprende seu odor mortal. Ei-lo que se aproxima de mim, o homem da foice: é delicado e tem ares voluptuosos; mas, no último instante, sempre chega alguém ou acontece alguma coisa de imprevisto: o garçom do hotel sob um pretexto qualquer, uma vespa que entra pela janela.
As potências recusam-me a única alegria, e submeto-me diante de sua vontade.
Nos começos de Julho, o hotel se esvazia com os estudantes que partem em férias.
Eis por que a chegada de um estrangeiro, no quarto vizinho, excita-me a curiosidade. O desconhecido não fala nunca; parece sempre ocupado em escrever, por trás da divisória que nos separa. Numa atitude estranha, recua todas as vezes que eu aproximo minha cadeira da parede; repete meus movimentos, como se quisesse me irritar com isso.
A coisa continua por três dias. Depois, percebo que, quando vou me deitar, alguém se deita no quarto que está do lado de minha mesa; mas, estando deitado, ouço-o levantar-se e ir para o outro quarto, ocupando o leito vizinho do meu. Escuto-o estendido paralelamente a mim: folheia um livro, depois apaga a lâmpada, respira, vira de lado e dorme.
Um silêncio absoluto reina no quarto do lado oposto. Logo, ele ocupa ambos os quartos. É desagradável ser assediado pelos dois lados.
Só, inteiramente só, janto com o prato trazido numa bandeja a meu quarto, e como tão pouco que o garçom se compadece de mim. Há uma semana que não ouço minha própria voz, e, por falta de exercício, o som começa a desaparecer. Estou inteiramente sem dinheiro: fazem-me falta os cigarros e os selos postais.
Agora, sentado na poltrona, abro a Bíblia e leio ao acaso: “Não refletem nem consideram, nem têm o bom senso de dizer: Eu queimei no fogo metade desta madeira, e cozi pães sobre as brasas; cozi carnes e comi-as, e então de seu resto hei de fazer um ídolo? Hei de prostrar-me diante de uma árvore? Uma parte deste pau está já feita em cinza; sem embargo disso, o seu coração insensato adorou a outra parte, e ele não salvará a sua alma, dizendo: É sem dúvida uma mentira o que está na minha mão.
... Eis que diz o Senhor, que te remiu e que te formou no ventre da tua mãe: Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas, que só por mim estendi os céus, e firmei a terra, sem que ninguém me ajudasse. Eu faço baldar os prognósticos dos adivinhos, e torno furiosos os agoureiros. Eu faço recuar os sábios, e converto sua ciência em loucura”.
(August Strindberg, Inferno)
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Walt Whitman, fragmentos do mar e eu

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Tu mar! Também a ti me rendo – adivinho o teu sentido,
Da praia observo os teus dedos curvos e convidativos,
Creio que te recusas a regressar sem me seres em ti,
Devemos estar juntos algum tempo, dispo-me, leva-me depressa para longe
da terra,
Aconchega-me, suavemente, embala-me na tua sonolenta ondulação,
Bate-me com a tua amorosa água, posso retribuir-te.
Mar de grandes vagas espraiadas,
Mar de ampla e convulsiva respiração,
Mar do sal da vida e dos túmulos por cavar mas sempre abertos,
Mar que bramas e esculpes as tempestades, mar caprichoso e sublime
Fundo-me contigo, também sou de uma e de todas as fases.
Participante do fluxo e do refluxo sou, exalto o ódio e a reconciliação,
Glorifico os amantes e os que abraçados dormem.
Sou quem testemunha o amor ao próximo,
(Posso enumerar os objetos da casa e omitir a casa que os contém?)
Não sou apenas o poeta da bondade, reconheço que também sou
o poeta da maldade.
Que arrebatamento é este sobre a virtude e o vício?
O mal impele-me e impele-me o resgate do mal, permaneço indiferente,
O meu caminho não é o caminho de quem descobre nem de quem o recusa.
Rego as raízes de tudo o que cresce.
(Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo)
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
BORGES: Pampa e a Vida Inteira

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Pampa:
Avisto tua amplidão que afunda os subúrbios,
estou me dessangrando em teus poentes.
Pampa:
Posso ouvir-te nas tenazes violas sentenciosas,
e nos altos bem-te-vis e no ruído cansado
dos carros de bois que vêm do verão.
Pampa:
O espaço de um pátio colorado me basta
para te sentir meu.
Pampa:
Eu sei que te cortam
trilha e atalhos e o vento que te muda.
Pampa sofrido e macho que estás nos céus,
não sei se és a morte. Sei que estás em meu peito.
MINHA VIDA INTEIRA
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Aqui outra vez, os lábios memoráveis, único e semelhante
a vós.
Persisti outra vez na aproximação da ventura e na intimidade
do sofrimento.
Cruzei o mar.
Conheci muitas terras; vi uma mulher e dois ou três homens.
Amei uma menina altiva e branca, de uma hispânica quietude.
Vi um arrabalde infinito onde se cumpre uma insaciada
imortalidade de poentes.
Saboreei numerosas palavras.
Acredito profundamente que isso é tudo e que não verei nem
farei coisas novas.
Acredito que minhas jornadas e minhas noites se igualam em
pobreza e riqueza aos de Deus e aos de todos os
homens.
(Jorge Luis Borges, Lua Defronte, 1925)
sábado, 4 de julho de 2009
CARLOS NEJAR: Ensaios de Fogo

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1.
Os animais, como as palavras, não mentem. Os homens, sim.
Mas nalgum recanto, suas palavras os desvelam. Não calam.
Querem a revelação.
O animal possui o mesmo instinto nostálgico dos vocábulos.
Se os símbolos ocultam coisas, só as palavras as dizem.
E sem dizer, são cintos postos na gaveta das rochas.
Tendem a apodrecer. Por inanição, inércia.
Sob a fluvial ferrugem.
2.
A memória é um animal solto sobre o coração.
Que também conhece inércia, apodrecimento.
Sem palavras.
Alegoria
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2.
O relógio é a medida do homem. Mas também objeto concreto da morte.
Como não entrelaçar esse silêncio cósmico de tempo a tempo, que as
palavras pendulam?
Não conhecemos ainda sequer a orla da casa bordada por esta agulha
de magnéticos naufrágios.
(Carlos Nejar, Editora Escrituras)
terça-feira, 21 de abril de 2009
TU, tão negra

TU, tão negra
_______________
À Giovana
Tu, tão negra
que te moves
como o tigre na colina
que serpeias o corpo
num bailado nu
vestal andrajoso da carne.
tu, parreiral roxo
negras frutas uvas dos seios
entre um baixio
de pássaros e o mistério das furnas
entre cordames de fogo
e a forja redentora das águas
Tu, tão negra
entre teu samba & teu jazz
canta o alvoroço dos vagalhões
e freme no silêncio de uma concha.
redemoinho e espelho
afogada em espumas de vento
e a violência plural das dores jorrantes
tardes que o outono vem trazendo
e marcando com pegadas
nas areias onde os peixes fisgam luares
Tu, tão negra
que te moves
para dentro do meu sonho
ardor andarilho, busca marinha
mádidas frescuras
princípio de precipício
criança, bailarina e pujante mulher
EU, tão negro dentro do meu sono.
(Anderson Dantas, 18/04/2009, Ilha de SC)
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Vícios Sentidos

Vícios Sentidos
_______________
1.
na primeira noite,
nenhum cheiro.
nenhum pó.
e quatrocentas celas
abriram-se no núcleo.
2.
Hércules e Onfale
vencida carícia,
nadam entre fogos
e depois sumiram
3.
minha visão
é o martelar
de cem
cavalos cegos.
4.
quer dizer
que nem sempre
passos vão a caminho de.
grácil cruel inútil
5.
Tato.
um bailado mímico
entre o esqueleto
e o girar
que tomba ao fundo.
6.
ver os dedos
como lentos e espessos
cardumes
nem molhados
nem algas.
7.
sétimo sentido
areia e asa
aço vidro e vigias
entrelaçados nós
todos patéticos.
(Anderson Dantas, Ilha de SC)
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
GARCIA LORCA: O Poeta contra a tirania

[O CANTO QUER SER LUZ]
O canto quer ser luz.
No escuro o canto tem
fios de fósforo e lua.
A luz não sabe o que quer.
Em seus limites de opala,
encontra-se consigo mesma
e volta.
BACO
VERDE rumor intacto.
A figueira me estende os braços.
Como uma pantera, sua sombra
espreita a minha lírica sombra
A lua conta os cachorros
Equivoca-se e começa de novo.
Ontem, amanhã, negro e verde,
rondas meu cerco de lauréis.
Quem como eu te quereria,
se me mudasse o coração?
... E a figueira grita para mim e avança
terrível e multiplicada.
VÊNUS
Assim te vi
A jovem morta
na concha da cama,
despida de flor e brisa
surgia na luz perene.
Ficava o mundo,
lírio de algodão e sombra,
assomado às vidraças,
vendo o trânsito infinito.
A jovem morta
surcava o amor por dentro.
Entre a espuma dos lençóis
perdia-se a sua cabeleira.
DESPEDIDA
Se eu morrer,
deixai o balcão aberto.
O menino chupa laranjas.
(Do meu balcão eu o vejo.)
O segador sega o trigo.
(Do meu balcão eu o sinto.)
Se eu morrer,
deixai o balcão aberto!
Federico GARCIA LORCA – Canções
domingo, 26 de outubro de 2008
TODA MULHER

82.
nós que nos amávamos tanto
hoje estamos tão longe
sem rima, sem sono
nem lembro
de como eu te achava estranho
_________________________
165.
ele prefere as nórdicas
as ricas, as putas
as filhas das tias
letradas, peitudas
alunas da puc
solteiras, taradas
mulheres pudicas
peludas, escravas
as boas de cama
mulatas, mineiras
as freiras da itália
escocesas, peladas
as bem mal-amadas
aquelas que dizem te amo
e mais nada
________________________
178.
toda mulher tem um homem que se foi
um homem que a deixou por outra
um homem que a deixou por um câncer
um homem que nem mesmo a notou
um homem que a deixou por um ideal
um homem que sumiu num temporal
um homem que não passou de dois drinques
toda mulher tem um homem que se foi
um homem que foi pego em flagrante
um homem que prometeu um brilhante
um homem que saiu para jogar
toda mulher tem um homem
que esqueceu de voltar
(Martha Medeiros)
sexta-feira, 11 de julho de 2008
O velho Buk e o amor
como ser um grande escritor
você tem que trepar com um grande número de mulheres
belas mulheres
e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.
e não se preocupe com a idade
e/ou com os talentos frescos e recém-chegados.
apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja
e vá às corridas pelo menos uma vez por
semana
e vença
se possível.
aprender a vencer é difícil -
qualquer frouxo pode ser um bom perdedor.
e não se esqueça do Brahms
e do Bach e também da sua
cerveja.
não exagere no exercício.
durma até o meio-dia.
evite cartões de crédito
ou pagar qualquer conta
no prazo.
lembre-se que nenhum rabo no mundo
vale mais do que 50 pratas.
(em 1977).
e se você tem a capacidade de amar
ame primeiro a si mesmo
mas esteja sempre alerta para a possibilidade de uma
derrota total
mesmo que a razão para essa derrota
pareça certa ou errada -
um gosto precoce de morte não é necessariamente
uma coisa má.
fique longe de igrejas e bares e museus,
e como a aranha seja
paciente -
o tempo é a cruz de todos,
mais o
exílio
a derrota
a traição
todo este esgoto.
fique com a cerveja.
a cerveja é o sangue contínuo.
uma amante contínua.
arranje uma grande máquina de escrever
e assim como os passos que sobem e descem
do lado de fora de sua janela
bata na máquina
bata forte
faça disso um combate de pesos pesados
faça como o touro no momento do primeiro ataque
e lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem:
Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.
se você pensa que eles ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está
sem mulheres
sem comida
sem esperança
então você não está pronto.
beba mais cerveja.
há tempo.
e se não há
está tudo certo
também.
(Charles Bukowski, in O amor é um cão dos diabos)
sábado, 14 de junho de 2008
O objeto-fetiche

Em vez de auditivo ou cinestésico, o suporte de trabalho pode ser visual ou tátil. Neste caso, as possiblidades são infinitas.
Posso, por exemplo, começar com um objeto, natural ou artificial, que me represente ou "me interpele" e, depois, entrar em relação direta, visual, tátil ou verbal com este símbolo exterior de meu ser interior.
Posso falar com uma flor, um raminho, uma pedra, ou ainda com um ancinho ou uma terrina e expressar-lhe o que sinto ... e, depois, eventualmente, responder em seu lugar.
Joceline: - Escolhi esta velha roda de carrinho de mão que encontrei no galpão porque ela me lembrou imediatamente a liberdade, mas também a solidez ... Gosto de sua madeira marcada pelo tempo.
Terapeuta: - Você pode falar-lhe diretamente, em vez de falar dela para mim ou descrevê-la?
Joceline: - Eu gosto de você porque você teve uma vida bem cheia ... Você enfrentou obstáculos, sofreu, um dos seus raios está quebrado ... mas seu cubo central continua inteiro!... Sua madeira está apodrecendo ... e, no entanto, dá vida ao musgo ...
Terapeuta: - A roda poderia responder e falar?
Joceline - Sim! É verdade, já estou velha. Não sou mais rutilante como antes ... Mas esta pintura com que me cobriram em minha juventude não era eu verdadeiramente ... Me pintaram para atrair o jardineiro ... Mas isso não o impediu de me negligenciar! Ele acabou por me trocar por um carrinho mais moderno ... com um pneu oco, todo estufado de ar ... e se foi com ele ... (ela chora) ... Não importa! Segui meu caminho ... Ele me usou, mas não me amava verdadeiramente ... Agora sou livre ... Estou separada do corpo do carrinho, mas posso viajar sem parar" E, apesar da minha idade, ainda posso interessar as pessoas (ela chora de novo).
(Gestalt, Serge e Anne Ginger)
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Caio: pescador de sentidos

Mergulho II
Na primeira noite, ele sonhou que o navio começara a afundar. As pessoas corriam desorientadas de um lado para outro no tombadilho, sem lhe dar atenção. Finalmente conseguiu segurar o braço de um marinheiro e disse que não sabia nadar. O marinheiro olhou bem para ele antes de responder, sacudindo os ombros: “Ou você aprende ou morre”. Acordou quando a água chegava a seus tornozelos.
Na segunda noite, ele sonhou que o navio continuava afundando. As pessoas corriam de outro para um lado, e depois o braço, e depois o olhar, o marinheiro repetindo que ele ou aprendia a nadar ou morria. Quando a água alcançava quase a sua cintura, ele pensou que talvez pudesse a aprender a nadar. Mas acordou antes de descobrir.
Na terceira noite, o navio afundou.
_______________________________________________________________
Nos poços
Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
(Caio Fernando Abreu, in Pedras de Calcutá e O Ovo Apunhalado)
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
CADERNO EXPRESSIONISTA três

O chapéu voa da cabeça do cidadão
Em todos os ares retumba-se gritaria.
Caem os telhadores e se despedaçam
E nas costas – lê-se – sobe a maré.
A tempestade chegou, saltam à terra
Mares selvagens que esmagam largos diques.
A maioria das pessoas tem coriza.
Os trens precipitam-se das pontes.
(Jakob Van Hoddis, 1911)
PROGRAMA
Não queremos poesia,
Queremos mágicas, artifícios,
Procuramos tapar na existência fatais vazios
E apesar de imenso esforço, uma atrofia.
Mas o que sabem vocês outros da secreta elevação,
Dos sagrados e histéricos soluços da garganta a chorar,
Quando, consumidos pelo haxixe da alma em imersão,
Beijamos o primeiro degrau, para além de cujo limiar
Os deuses moram?
(Wilhelm Klemm, 1915)
O PASSEIO
Tu, esses quartos
Fixos e as áridas ruas
E o rubro sol das casas,
A infame repugnância de todos
Os livros há muito já folheados –
Não os agüento mais.
Vem, precisamos sair da cidade
Para muito longe.
Vamos deitar-nos em
Suave gramado.
Ameaçadores e tão abandonados,
Contra o absurdamente grande,
Mortalmente azul, brilhante céu,
Levantaremos mãos choradas
E encantados,
Descarnados, apáticos olhos.
(Alfred Lichtenstein, 1913)
* Traduções de Claudia Cavalcanti.
domingo, 27 de janeiro de 2008
CADERNO EXPRESSIONISTA dois: Gottfried Benn

A boca de uma moça que há muito jazia em meio aos juncos
parecia toda ruída.
Quando abriram o peito, o esôfago era só buracos.
Acabaram achando num recanto embaixo do diafragma
um ninho de ratos jovens.
Uma das irmãzinhas pequenas morrera.
Os outros viviam do fígado e dos rins,
bebiam sangue frio e tinham
passado ali uma bela juventude.
E bela e pronta foi também a morte deles:
foram jogados todos juntos na água.
Ah, como os focinhinhos guinchavam!
(Gottfried Benn, tradução de Mario Luiz Frungillo e Luís Gonçales de Camargo)
NOIVA DE NEGRO
A nuca loura de uma mulher branca
repousava sobre uma almofada de sangue escuro.
O sol lhe maltratava os cabelos,
lambera longamente as coxas claras
e se ajoelhara junto dos seios, mais escuros,
ainda não desfigurados por vícios e partos.
Um negro ao seu lado: olhos e fronte
arrebentados por um coice de um cavalo. Havia
enfiado dois de seu imundo pé esquerdo
dentro da orelha branca e pequena dela.
Mas ela estava deitada e dormia como uma noiva:
às portas da felicidade do primeiro amor
o sangue quente e jovem na expectativa
de muitas viagens ao céu.
Até que lhe
e lhe atirassem um avental púrpura de sangue morto
à volta dos quadris.
REQUIEM
Em cada mesa dois. Mulheres e homens entre-
cruzados. Sem tormento. E próximos e nus.
O peito esquartejado. O crânio aberto. O ventre
pela última vez agora a dar à luz.
Do cérebro aos testículos, cada um três malgas rentes.
E o templo de Deus e o estábulo infernal
agora peito a peito no chão da cuba, os dentes
a arreganhar prò Gólgota e a queda original.
O resto nos caixões. Tantos recém-nascidos:
cabelos de mulher, um peito de miúdo,
pernas de homem. De dois amantes prostituídos,
qual vindo de um só ventre, vi que ali estava tudo.
(tradução de Vasco Graça Moura)
quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
CADERNO EXPRESSIONISTA: Georg Trakl

A alma silencia o azul da primavera.
Entre a úmida ramagem do ocaso,
freme a fronte dos amantes.
A cruz verdeja! Em escuro colóquio
conheceram-se homem e mulher.
No muro esquálido
o solitário vaga com seus astros.
Nas sendas do bosque, ao clarão da lua,
afundou na mata
de esquecidas caças; olhar do azul
irrompe das rochas em ruínas.
__________________________________
DER SCHLAF
Malditos venenos escuros,
sono branco!
Este insólito jardim
de árvores crepusculares
cheio de cobras, borboletas noturnas,
aranhas, morcegos.
Forasteiro! Tua sombra errante
na tarde rubra,
um negro corsário
em mar de aflição e sargaço.
Esvoaçam brancas aves na beira da noite,
sobre cidades cindidas
de aço.
____________________________________
KLAGE
Sono e morte, as águias sombrias
rondam-me a fronte a noite inteira:
a áurea imagem do homem
engole-a a onda fria
da eternidade. Em recifes medonhos
rompe-se o corpo purpúreo.
E queixa-se a voz escura
sobre o mar.
Irmã de imensa melancolia,
olha: um barco assustado naufraga
sob estrelas,
na face calada da noite.
(Georg Trakl, tradução de Marco Lucchesi, 1990)
sábado, 12 de janeiro de 2008
Non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere

1. não rir, não lamentar,
nem amaldiçoar, mas compreender.
(SPINOZA)
2. links.
linkar Lourenço, o cheiro do ralo.
Ernest Becker, Nietzsche,
Kierkegaard, eu
e outros jogos de armar.
3. Lourenço não gosta da noiva, nem dele, nem de ninguém.
presume-se que, quem não gosta de ninguém, não teme a
morte, nem mesmo se for uma facada no coração.
perdeu. dois balaços no peito.
4. sinto-me livre para fracassar.
5. mas, se não teme morrer, o que o torna
tão angustiado? a ausência? solidão?
talvez o nervo da angústia seja a perda do pai
morto na guerra (duvidosa e fantasiosa)
sua tentativa patética e simbólica
de reconstruí-lo.
6. Muitos morrem demasiado tarde e alguns
demasiado cedo. Ainda soa estranha a doutrina:
“Morre a tempo”!
Morre a tempo: é o que ensina Zaratustra.
Sem dúvida, quem nunca vive a tempo, como iria
morrer a tempo? Antes não tivesse nascido! – É assim
que aconselho os supérfluos.
7. Quem é Paula Braun? (que bela bunda!)
8. A INVEJA DO PÊNIS
A verdadeira ameaça que a mãe representa passa a ser
vinculada à sua evidente corporalidade. Seus órgãos genitais são
usados como um conveniente foco para a obsessão da criança
com o problema da corporalidade. Se a mãe é uma deusa da luz,
é também uma bruxa das trevas. A criança vê a ligação da mãe
com a terra, seus secretos processos corporais que a prendem à
natureza: o seio com seu misterioso leite viscoso, os odores e o
sangue menstruais, a quase contínua imersão da mãe produtiva
em sua corporalidade, e não menos – algo a que a criança é
muito sensível – o caráter muitas vezes neurótico e irremediável
dessa imersão.
9. A inveja do pênis, então, surge do fato de que os órgãos genitais
da mãe foram separados de seu corpo com uma focalização do
problema de degradação e vulnerabilidade. Bernard Brodsky
observa, sobre sua paciente: “Sua concepção da mulher como
fecal estimulara enormemente a sua inveja do pênis, já que o
pênis vigorosamente ereto era o antônimo das fezes mortas,
inertes”.
10. HUMANOS TOTAIS E HUMANOS PARCIAIS
É simplesmente o seguinte: de que adianta falar de “desfrutar
a nossa plena humanidade”, - como insiste Maslow,
acompanhado de tantos outros – se a “plena humanidade”
significa o desajuste primário em relação ao mundo? Se você se
livrar de sua couraça neurótica de quatro camadas, a armadura
que cobre a mentira caracterológica sobre a vida, como poderá
falar de “desfrutar” essa vitória de Pirro? A pessoa abre mão
de algo restritivo e ilusório, é verdade, mas apenas para se ver
face a face com algo ainda mais horrível: o desespero
autêntico. Plena humanidade significa pleno medo e pleno
tremor, pelo menos uma parte das horas em que o indivíduo
está acordado. Quando você faz com que uma pessoa surja
para a vida, longe de suas dependências, de sua segurança
automática, obtida ao abrigo do poder de outrem, que alegria
poderá prometer a essa pessoa, portadora do fardo de sua
solidão?
11. O tormento de Kierkegaard era o resultado direto de ver o
mundo tal como é na realidade em relação à sua situação
como criatura. A prisão do caráter da pessoa é
trabalhosamente construída para negar uma coisa, e apenas
uma coisa: a sua condição de criatura. Isso é o terror. Uma
vez admitido que é uma criatura que defeca, você convida o
oceano primitivo da angústia animal a desaguar sobre você.
Mas isso é mais que do que angústia da criatura, é também a
angústia do homem, a angústia que resulta do paradoxo
humano de que o homem é um animal cônscio de sua
limitação animal. A angústia é o resultado da percepção da
verdade de nossa condição. O que significa ser um animal
consciente de si mesmo? A idéia é absurda, se não for
monstruosa. Significa saber que se é alimento para os vermes.
Este é o terror: ter surgido do nada, ter um nome, consciência
de si mesmo, profundos sentimentos íntimos, uma torturante
ânsia íntima pela vida e pela auto-expressão – e, apesar de
tudo isso, morrer. Parece uma mistificação, que é o motivo
pelo qual certo tipo de homem cultural se rebela abertamente
contra a idéia de Deus. Que tipo de divindade iria criar um
alimento para vermes tão complexo e caprichoso? Divindades
cínicas, diziam os gregos, divindades que usam os tormentos
do homem para se divertirem.
12. Aquele que é educado pelo pavor (angústia) é educado pela
possibilidade (...) Quando essa pessoa, portanto, sai da escola
da possibilidade e sabe, com uma perfeição maior do que
aquela com que uma criança sabe o alfabeto, que não exige da
vida absolutamente nada e que o terror, a perdição e o
aniquilamento são vizinhos de todos os homens, e aprendeu a
lucrativa lição que cada terror que cause alarme poderá, no
momento seguinte, tornar-se uma realidade, irá interpretar a
realidade de maneira diferente. (...)
13. a vida é dura.
domingo, 6 de janeiro de 2008
Outros Palimpsestos (O Amor Duplo)
Inventei umas asas para voar, e vôo.
Enxofre e rosa em meus lábios.
Chuva de flechas e violinos.
Tarde-caída arroxeada e enlutada na praia,
os meus olhos ainda claros mirando serenos.
Noite. Insuportável de me ver. Olhos profundos
e selváticos, pêlos eriçados e um rugido n´alma.
O que me fascina é este espírito livre de lobo.
E nos madrigais cintilo coberto de sangue das caçadas.
Chuva de orvalhos e uivos. Pavor.
Carne aberta e quente, vulvas úmidas e olorosas,
azulidades e sombras, amor às duas amantes morenas.
E um rastro de límpido rio guarda as cavernas
rubro-róseas das voracidades gementes das feras.
No meu coração mora um sol morto. E um cavalo
sem ginete que me espera nas verdes tranças.
Enredado de recifes também lobo do mar eu sou,
triste em vão, às vezes mergulhado de estrelas.
E quando saem as duas pombas negras a cravarem-se
no meu peito, nunca me acham, nunca me têm.
E nesta taça brindada de cismas, que os cílios do bosque
são-me cúmplices, estraçalho os seus nus pescoços.
Àquela que se ergue com suas grandes tetas escuras
e a que mostra o caminho de pérola da nuca ao ventre.
Chuva sem vontade. Sem dor nem orquestra. Alheia.
E o que me persegue são borboletas malhadas de fogos,
minha eterna solidão de mar e lobo. Rosa e enxofre nos lábios.
__________________________________________
SERMO
Do que recrudesce da grama
úmida. morta.
Um cão azul lambe
o grosso filete
que inunda a visão dos umbrais.
Eu nunca-nascido-de-mim
com as chamas púrpuras em túmulos
doridos, ancião.
Eu senti o corte da lâmina anterior
a fronte se ergueu da seiva
de sangue da árvore agonizante.
Dintéis de ferro adormecidos
de pálpebras. As mãos desnudas
escorrendo pelo bosque violento
da cabeleira. Uma palavra metralhada
sem amor, arrancada da fina boca.
A asa molhada o sol esvoaçante
recolheram-se dentro da pelepenumbra
espessas grades até onde o coração
percebe, e treme. Apoiado nos joelhos
polimeria trovões eu-menino-desterrado
alquimista. vivo.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
Bertolt Brecht: combativo!

AOS QUE HESITAM
Você diz:
Nossa causa vai mal.
A escuridão aumenta. As forças diminuem.
Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
Estamos em situação pior que no início.
Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
Mas nós cometemos erros, não há como negar.
Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas palavras
Até ficarem irreconhecíveis.
Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
Tudo ou alguma coisa?
Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
Da corrente viva? Ficaremos para trás
Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?
Precisamos ter sorte?
Isto você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.
___________________________________________________
A QUEIMA DE LIVROS
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
(Bertolt Brecht, tradução de Paulo César de Souza)
terça-feira, 1 de janeiro de 2008
e.e. cummings: o mais vivo de todos nós

o ódio sopra uma bolha de desespero na
vastidão do sistema do mundo do universo e explode
- o medo enterra um amanhã sob o desgosto
e o ontem chega mais verde e jovem
o prazer e a dor são apenas aparências
(um a si se mostrando,a si se escondendo outro)
o único e verdadeiro valor da vida nenhum é
o amor faz a pequena diferença das coisas
e se aqui vier um homem para receber da senhora morte
o agora sem nunca e a primavera sem inverno?
ela tecerá esse espírito com os seus próprios dedos
e dar-lhe-á nada(se ele não cantar)
como há tanto mais do que o suficiente para nós os dois
querida. E se eu cantar tu és a minha voz,
___________________________________________
da mentira do não
ergue-se a verdade do sim
(apenas ela e quem
ilimitavelmente é)
fazendo os loucos compreender
(como um invernoso eu)que todos
os afazeres da mente não
se comparam a uma violeta
(e.e. cummings, tradução de Cecília Rego Pinheiro)
29
por que haverá de em cada de um parque
ânus se erguer alguma aspas estátua aspas para
provar que um herói é igual a qualquer basbaque
que teve medo de ousar responder “não?”
aspas cidadãos aspas poderiam em vez dis
so esquecer (errar é humano; perdoar,
divino)que se aspas o estado aspas diz
“mate” matar é um ato de amor cristão.
“Nada”, em 1944 D C
“pode se contrapor ao argumento da ne
cessidade militar” (generalíssimo e)
e o eco responde “não há defesa
contra a razão” (freud) – a gente paga a despesa
mas não abre a boca. A liberdade não é uma beleza?
(e.e. cummings, tradução de augusto de campos)
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
da idéia original sobre: uma carta talvez

não tem pecado.
mas apunhala
as vidraças
pelas vidra_
ças
e onde quieta
debruça seu pranto
molhante
o que temos de original para hoje?
engasga-se nos becos
as lamas de sempre
e depois chega
o sol
um ator fanfarrão
que abafa um sopro
e depois mais um.
e uma criança queda no lavatório.
babujado pela baba
asquerosa de
deus.
no pulso não mais trago
o relógio retardante
pois as rodas correram léguas
e só para encontrar um rosto desconhecido
e ausente
não eram mais pássaros
no dia seguinte
e nem chovia
e nem fazia sol
o vento lambeu pele e mais
vento
deitou seu murmúrio
como uma música
acariciada.
Deu para avistar
um arco que divisava
a cidade
e depois um arco
que parecia ser de um
violino
de um negro e suas notas
nesse espelho ainda havia
um cavalo febril
que embalava seus cascos
e ainda o mar
para que não falte esse
salgado gosto
na garganta
pelos telhados
lavou-se o pó
e a bosta dos pássaros
a bendita chuva.
a lã era um vasto velo
entre rebanho
e campos de algodão
e o arco
e uma miséria sem blues.
E depois, se bem
me
lembro
não houve depois
tudo estava perto,
molhado,
em poças, em cadafalsos
em poços
sem ajustes de corda, sem pecado.
Anderson Dantas, Ilha, 27 Dezembro 2007 (chove na cidade)_
domingo, 11 de novembro de 2007
PAUL ÉLUARD, Algumas das palavras (trechos)

Lâminas apunhalam lâminas
Vidros quebram vidros
Lâmpadas apagam lâmpadas.
Tantos laços quebrados.
A flecha e a ferida
O olho e a luz
A ascensão e a cabeça.
Invisível no silêncio.
_________________________________
Vi o meu melhor amigo
Abrir nas ruas da cidade
Em todas as ruas uma noite
O extenso túnel do seu desgosto
E oferecer a
Todas as mulheres
Uma rosa privilegiada
Uma rosa de orvalho
Igual à embriaguez de ter sede
Humildemente lhes pedia
Que aceitassem
Esse pequeno miosótis
Rosa resplandecente e ridícula
Na sua mão inteligente
Na sua mão em flor
O medo a opressão a miséria
__________________________________
14.
Párias a morte a terra e a fealdade
Dos nossos inimigos tem a cor
Monótona da nossa noite
Havemos de vencer.
__________________________________
Méditative et seule
La forme dês caresses
Qu´elle a rêvées
_________________________________
Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trêmulos de tão semelhantes serem
E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria
E esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e dura
Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.
(Paul Éluard, tradução de Antonio Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge)